Conheça o livro "As Mais Belas Trilhas da Patagônia"
Torres del Paine, El Chaltén, Bariloche, Ushuaia, Villarrica, Cerro Castillo, Dientes de Navarino e Parque Patagonia
Vuelta al Huemul, El Chaltén, Argentina – Relato de trekking
Visão geral
El Chaltén, na Patagônia Argentina, tem fama em todo o mundo por causa de suas trilhas, escaladas e até mesmo entre quem não gosta de fazer esforço algum, já que a montanha mais famosa da região, o Cerro Fitz Roy, pode ser visto da própria vila. Porém, esse artigo não vai falar das trilhas nem do icônico Fitz Roy, mas de um circuito de trekking pouco conhecido chamado Vuelta al Huemul.
Com 2.677 metros de altitude, o Cerro Huemul é bem menor que o Fitz Roy (3.405 m), o Cerro Torre (3.102 m) e outras montanhas do Parque Nacional Los Glaciares, assim como não tem a beleza impactante das torres de granito que atraem tantos experientes escaladores. Isso faz com que, apesar de dar nome ao circuito, o Huemul não seja o grande atrativo desse trekking, mas sim o Glaciar Viedma, que faz parte do Campo de Gelo Patagônico Sul, um dos maiores campos de gelo do mundo.
O circuito tem 72 km e 3.200 metros de elevação acumulada, já incluindo a caminhada na estrada de volta para El Chaltén. Se você contratar um carro para te buscar na Bahía Túnel, economizará 7 km de uma entediante caminhada, pois os últimos quilômetros não são bonitos.

Circuito em volta do Cerro Huemul com os três pontos de pernoite.
Cidade base
El Chaltén foi criada em 1985 com a finalidade da Argentina manter sua soberania sobre a região, que estava em disputa com o Chile. Porém, em 1991, haviam apenas 41 pessoas morando de modo permanente e, em 2001, somente 371 pessoas. Seu desenvolvimento ocorreu apenas com o início do turismo e atualmente vivem em torno de 3 mil pessoas nessa pequena cidade que se auto intitula como a Capital Argentina do Trekking.
Para chegar em Chaltén a partir do Brasil, o meio mais fácil é voar até El Calafate e, de lá, pegar um ônibus. Se fizer esse caminho, não deixe de conhecer a geleira Perito Moreno, que é impressionante e também faz parte do Campo de Gelo Patagônico Sul, assim como o Glaciar Viedma, que você conhecerá durante o circuito de trekking.
Nas três vezes em que estive em El Chaltén, me hospedei em três hosterías e posso recomendá-las pois fui muito bem atendido, os quartos são bons e elas têm ótimo café-da-manhã. Também fiquei em um camping com muito espaço para barracas e motorhomes, além de ter boa área de cozinha, banheiro e refeitório. Veja abaixo os sites das pousadas e do camping:
Hostería El Paraiso – https://www.hosteriaelparaiso.com.ar/
Hostería Fitz Roy – https://www.hosteriafitzroy.com.ar/
Hostería Vertical Lodge – https://www.verticallodge.com.ar/
Camping El Relincho – https://elrelinchopatagonia.com.ar/info/index.php/es/camping

El Chaltén e o maciço do Fitz Roy vistos da estrada.
Melhor época
É preferível ir entre dezembro e o meio de março. Se você for bem no começo da temporada mais seca (novembro), pode ser que ainda pegue os lagos congelados, se for um ano com inverno longo e frio. No verão, as temperaturas estarão mais agradáveis, a chance de chuva é menor e, principalmente, há maior probabilidade de ver as montanhas, que podem ficar escondidas por dias atrás das nuvens, apesar de fazer sol na cidade. Como o vento no verão costuma ser muito forte, não se engane ao ver previsões com temperaturas agradáveis porque com o forte vento patagônico, a sensação térmica será muito mais baixa.
Se possível, vá para El Chaltén com vários dias sobrando e, assim, possa esperar as janelas de bom tempo, senão é grande a chance de viajar para tão longe e não aproveitar.

A charmosa cidade de El Chaltén em um ensolarado dia de verão.
Custos
A entrada no Parque Nacional Los Glaciares é grátis, assim como os acampamentos.
Não há obrigatoriedade da contratação de guia, mas se você não tem bastante experiência em trilhas, recomendo que contrate um, esse circuito não é como as trilhas perto do Fitz Roy.
Lendo meu relato abaixo, verá que há duas tirolesas usadas para atravessar o Río Túnel, então você precisa levar cadeirinha, fita para prender a mochila e dois mosquetões (ao menos um de aço), um para você e outro para a mochila. Caso não tenha, pode alugar na cidade e, dependendo da época, os guarda-parques permitem fazer o circuito sem esses equipamentos, pois se o nível dos rios estiver baixo, é possível atravessá-los junto aos lagos, mas não conte com isso pois pode não ser seguro.
Sentido horário ou anti-horário?
A vantagem de fazer a trilha no sentido horário é que você pode ir de táxi/remis até a Bahía Túnel, pois esse trecho até a cidade não tem atrativos. Por outro lado, é recomendado fazer no sentido anti-horário por três motivos: o primeiro, que não é muito importante, é que o trecho mais íngreme você fará descendo, apesar que algumas pessoas podem preferir subir, por ser mais seguro. O segundo motivo é que o vento predominante, no trecho de caminhada com vista para o campo de gelo, baterá nas suas costas e não no seu rosto, mas esse também não considero um motivo muito forte. Por fim, a razão pela qual é melhor fazer em sentido anti-horário é que a roldana fica parada nesse lado do rio, então se você chegar pelo outro, terá que esperar alguma pessoa atravessar para prender sua cadeirinha.
Tracklog para GPS
Clique aqui para abrir minha página no Wikiloc e baixar esse trajeto para usar em seu GPS.
Relato
Dia 1 – El Chaltén a Campamento Laguna Toro (17,4 km – Elevação acumulada de 770 metros)
Depois de seis dias na cidade esperando o tempo melhorar, finalmente havia uma janela de bom tempo. Saí de Chaltén um dia antes da previsão falar que faria sol, pois o primeiro dia de trilha eu já havia fotografado na semana anterior, na minha primeira tentativa de fazer o circuito, que foi abortada no segundo dia por causa da chegada de chuva e nuvens baixas, que impediam a vista para as montanhas.
Como previsto, o dia ficou nublado e com pequenas aberturas de sol. Quanto à caminhada, ela começou com uma subida de 10 km, mas pouco íngreme, e no fim dela tive uma bela vista com o Cerro Huemul e o vale do Río Túnel à frente, e o Lago Viedma à esquerda. A descida é pouca coisa mais íngreme e depois a caminhada se dá pelo vale, acompanhando o Rio Túnel até o Campamento Laguna Toro, pouco antes da laguna.
No caminho, conheci um casal de argentinos e seus dois filhos, de 6 e 8 anos, que também estavam indo para o acampamento, e deu gosto ver duas crianças tão pequenas fazendo uma trilha como essa. Enfim, nada como mostrá-las que há muita diversão sem televisões, videogames e celulares.
Ao chegar no acampamento, depois de achar um bom ponto para a barraca, passei o fim do dia lendo e torcendo para a previsão estar certa para os dias seguintes.

Vista ao final da primeira subida. À esquerda está o Cerro Huemul (2.677 m) e, à direita, o vale do Río Túnel. No fundo do vale ficam a Laguna Toro, a área de camping e, depois, o Glaciar Río Túnel.

Descida para o vale do Río Túnel.

Aproveitando o sol para me esquentar enquanto leio e espero escurecer.
Dia 2 – Campamento Laguna Toro a Campamento Paso del Viento (13,4 km – Elevação acumulada de 693 metros)
No verão, os dias na Patagônia começam cedo e eu acordei ainda mais cedo, para não perder o nascer do sol. Pouco depois das 05:00 eu já estava fotografando e, de quebra, ainda encontrei uma raposa dormindo, que também virou alvo da minha câmera.
Pouco depois da Laguna Toro está a primeira tirolesa do circuito, e ao atravessá-la, conheci o Thibaud, um francês gente boa que, assim como eu, também estava fazendo o circuito sozinho. Conversamos um pouco, fiz umas fotos de um casal de ingleses atravessando a tirolesa e logo segui para o Paso del Viento para não perder nenhum momento de um dia com céu azul, depois de tantos dias de espera.
Esse trecho da caminhada pode ser feito junto ao encontro do Glaciar Río Túnel com o morro, ou pela encosta do morro, andando por cima de pedras que muitas vezes deslizam com o peso da pessoa. Acredito que seja mais seguro andar junto ao glaciar, mas como eu queria fotografá-lo de um ângulo mais alto, fui pela encosta, sempre procurando o caminho mais seguro até chegar na trilha demarcada que sobe para a travessia do passo.
Quanto ao Paso del Viento, ele oferece uma das vistas mais impressionantes que já tive e, infelizmente, as fotos não conseguem passar a sensação de estar lá. Depois de fotografar bastante, ainda fiquei um bom tempo admirando a paisagem e conversando com o francês e também com o José, um argentino que foi até o Paso e depois voltaria para o acampamento.
Apesar da vontade de continuar no mirante, eu ainda tinha que fotografar o caminho até o próximo acampamento e saí junto com o Thibaud rumo à Laguna del Refugio. Como fomos os primeiros a chegar, pudemos escolher os melhores lugares para as barracas e nadar um pouco em sua água gelada, tirando a sujeira dos dois dias de caminhada. Também demos a volta nela, andando por uma cresta, achando que haveria vista para o campo de gelo, mas nos enganamos. De qualquer forma, a vista para a laguna valeu a caminhada extra.

Raposa dormindo a 200 metros da área de camping.

De noite, as raposas costumam procurar comida que fica fora das barracas.

Primeira tirolesa sobre o Río Túnel. Vale dizer que é possível atravessar o rio junto da laguna, mas usando a tirolesa não é preciso se molhar.

Parte inferior do Glaciar Río Túnel.

O caminho mais seguro eu acredito que seja junto ao glaciar, onde ele encontra a montanha, mas como eu queria um ponto de vista mais alto para fotografar, segui pela encosta.

Vista do Glaciar Río Túnel já quase no topo do Paso del Viento. Bem no fundo está a Laguna Toro e, depois dela, a área de camping.

Foto em 360º na subida do Paso del Viento, com vista para o Glaciar Río Túnel. Clique para abrir e gire a foto usando o mouse.

Campo de Gelo Patagônico Sul visto do Paso del Viento.

Foto em 360º no topo do Paso del Viento, com vista para o Glaciar Viedma, parte do Campo de Gelo Patagônico Sul. Clique para abrir e gire a foto usando o mouse.

Córrego de degelo que alimenta a Laguna del Refugio.

Apesar da água gelada, criei coragem para nadar um pouco e retirar a sujeira dos dois primeiros dias de caminhada.

Laguna del Refugio. A área de camping fica do outro lado e vale dizer que nem sempre ela está tão cheia, normalmente tem menos água.
Dia 3 – Campamento Paso del Viento a Campamento Lago Viedma (16,8 km – Elevação acumulada de 680 metros)
O terceiro dia de caminhada segue paralelo à geleira e, à medida que se ganha altura para atravessar o Paso Huemul, é possível ver novamente o campo de gelo. Aliás, achei a vista desse ponto ainda mais impressionante que a do Paso del Viento. Quando cheguei no alto do Paso, encontrei o francês e caminhamos por 40 minutos até um mirante para ver o fim da geleira e o início do Lago Viedma. A propósito, fomos os únicos a fazer isso, as outras pessoas, ao chegarem cansadas no topo do Paso, desceram direto para a praia, mas eu recomendo demais que vá até o mirante pois foi uma das paisagens mais bonitas de toda a viagem que fiz para publicar o livro As Mais Belas Trilhas de Patagônia.
Então veio a tão famosa descida do Paso Huemul, que todo mundo diz ser muito íngreme e perigosa, que é necessário se segurar nas árvores e pedras para não cair, etc e tal. Não sei se foi porque já havia ouvido relatos terríveis desse trecho, mas para mim, o que foi pior foram as incontáveis mutucas que ficavam me rodeando. Como eu tinha que usar as mãos para me apoiar nos bastões, de tempos em tempos eu parava para que pousassem e eu pudesse matá-las. Só durante a descida, 17 mutucas descobriram se há vida além da morte, então venha psicologicamente preparado porque não tem repelente que as espante.
O acampamento no Lago Viedma é outro lugar que ninguém esquece, não tanto pela praia em si, que é de pedras, mas pelos inúmeros icebergs que chegam até a praia. Por ser um dia de sol e sem vento, entrar na água foi tranquilo até mesmo para um brasileiro que não gosta de água fria, afinal, quando teria outra chance de nadar rodeado de icebergs? Sem dúvida foi um bom jeito de terminar o último dia de 2019, já que a virada do ano eu passei dormindo profundamente.

Glaciar Viedma visto da subida do Paso Huemul. Para ter uma ideia melhor do tamanho dessa geleira, as montanhas ao fundo estão a mais de 25 km de distância.

Uma geleira é um rio, mas de água congelada. Os detritos que caem sobre o gelo são transportados à medida que o gelo avança e as curvas que podem ser vistas nessa foto mostram o relevo do fundo do vale, que faz com que o gelo faça essas curvas, assim como a água de um rio, mas em um ritmo muito mais lento.

Lago Viedma e Glaciar Viedma, que faz parte do Campo de Gelo Patagônico Sul.

Foto em 360º no mirante para o lago e glaciar Viedma. Clique para abrir e gire a foto usando o mouse.

Condor visto na descida do Paso Huemul.

A praia do lado esquerdo inferior é onde fica a área de camping. As duas fotos abaixo mostram os pequenos icebergs que estão bem perto da praia e mal podem ser vistos nessa foto, então repare no tamanho dos maiores, que encalharam mais distantes da praia.

A água estava geladíssima, claro, mas com sol e sem vento, não foi tão difícil como parece.

Meu ortopedista me mandou colocar gelo onde eu estivesse com dor, então…

O gelo azul escuro é a parte inferior de um iceberg que acabou de virar de ponta cabeça. O gelo azul, mais denso, fica branco com o contato com o ar.

Foto em 360º na praia em frente ao acampamento do Lago Viedma. Clique para abrir e gire a foto usando o mouse.
Dia 4 – Campamento Lago Viedma a El Chaltén (28,7 km – Elevação acumulada de 680 metros)
O primeiro dia de 2020 começou cedo pois eu queria estar antes do nascer do sol em uma península com vista para o Glaciar Viedma, uma vez que da praia não se vê a geleira. Outra vez o amanhecer foi lindo, sem nuvens para atrapalhar o nascer do sol, então fiz minhas fotos e logo comecei o longo caminho de volta para El Chaltén.
Nesse dia há mais uma tirolesa, sobre um rio que eu primeiro tentei atravessar a pé pois havia gente usando a tirolesa, mas desisti no meio pois é mais fundo e caudaloso do que aparenta e fiquei com medo de molhar os equipamentos de foto.
Segui a trilha até a Bahía Túnel, ponto em que é possível chegar de carro, mas eu não combinei com nenhum táxi para me buscar pois não sabia quando terminaria, já que muitas vezes não consigo fotografar tudo que quero no tempo previsto. Sendo assim, só me restava pegar uma trilha que leva para a cidade, mas ela não é bonita e, sem belas paisagens para me entreter, somando às noites mal dormidas e o natural cansaço da caminhada, fiz esse trecho me arrastando, mas muito feliz por ter completado as fotos de um dos circuitos de trekking mais bonitos que já conheci!

Esse foi meu primeiro nascer do sol em 2020, não teria como começar melhor o ano.

Lago e Glaciar Viedma.

Segunda tirolesa sobre o Río Túnel.

Essa é a Bahía Túnel, ponto onde é possível combinar com algum transporte para ser buscado e economizar 7 km de caminhada em um trecho sem atrativos.
Conheça o livro "As Mais Belas Trilhas da Patagônia"
Torres del Paine, El Chaltén, Bariloche, Ushuaia, Villarrica, Cerro Castillo, Dientes de Navarino e Parque Patagonia