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Pedalando no vulcão Mauna Kea (Hawaii), a maior subida do mundo

Hilo com o vulcão Mauna Kea ao fundo
Fica no Havaí a maior subida do mundo, mais precisamente na Big Island, a maior das ilhas havaianas. Com início na cidade de Hilo, ao nível do mar, são 69,2 km de uma ascensão contínua até quase chegar no cume do vulcão Mauna Kea, que tem 4.205 metros de altitude. Digo que quase chega pois a estrada termina junto aos observatórios, a 4.192 metros, e o cume fica 13 metros mais alto, mas para acessá-lo é preciso pegar uma pequena trilha que tem uma descida, então deixa de ser uma subida contínua.
Antes de mais nada, acho bom explicar que essa é a maior subida do mundo, mas não a mais longa. Existe uma subida na Colômbia conhecida como Alto de Letras, com 82 km de distância, mas com um ganho de elevação em torno de 3.200 metros (início a 500 m de altitude e fim a 3.692 m), ou seja, mil metros menos que o Mauna Kea. Como a distância é maior, a inclinação é menor, fazendo com que seja uma subida bem menos cansativa, além de não ser uma subida contínua pois há alguns trechos em descida durante o percurso.
Existem diversos cálculos usados pela mídia especializada em ciclismo para calcular quais são as subidas mais difíceis do mundo, mas em uma coisa as revistas e sites concordam, que “Le Mauna Kea – Hilo”, como ela é chamada, é a mais desafiadora. Os motivos são:
1. Maior ganho de elevação que qualquer outra subida;
2. Trechos com inclinação acima de 20%;
3. Uma das maiores distâncias em subida contínua;
4. Altitude: é muito mais difícil subir direto até 4 mil metros do que duas vezes até 2 mil metros, já que o ar rarefeito dificulta a respiração e pode causar o mal de altitude;
5. Acima dos 3 mil metros há um trecho com 7 km de cascalho e terra que, em alguns pontos, fica bem fofa, fazendo com que o pneu afunde e o esforço seja bem maior.

A estrada de leste a oeste é a Saddle Road, e de norte a sul é a Mauna Kea Access Road

De 1 a 4.192 metros sem descidas
A escalada
Quando tenho um desafio físico de longa duração, gosto de dividi-lo em trechos menores para que eu possa controlar melhor o lado psicológico. Aqui eu dividi a escalada em 4 trechos, sendo que apenas os dois primeiros eu pedalei anteriormente para testar meu condicionamento. O problema é que nessa subida, a cada trecho a dificuldade vai aumentando, não só pela inclinação como também pelo ar cada vez mais rarefeito e, claro, o cansaço acumulado.
O primeiro trecho é feito pela Saddle Road, tem 45 km e vai até a Mauna Kea Access Road com uma elevação média de 4,5%, ou seja, razoavelmente fácil para um mountain-biker bem treinado. O ganho de elevação é de 2.000 metros e durante o pedal é muito interessante ver a diferença de vegetação à medida que a altitude aumenta. No começo há arvores grandes e vegetação densa, daí ela vai ficando cada vez mais escassa até que a paisagem se torne quase totalmente marrom, apenas com algumas plantas baixas. A estrada é boa e mesmo nos trechos onde não há acostamento, os carros costumam respeitar o ciclista. Com o tempo de pedal e a subida constante, o corpo foi se acostumando até que em alguns trechos tive a impressão de estar pedalando no plano, mas depois, vendo o perfil de altitude do GPS, vi que eram subidas pouco íngremes.
O segundo trecho começa ao entrar na Mauna Kea Access Road, quando a inclinação fica bem mais forte, com média de 8%. São 10 km de asfalto até o Centro de Visitantes, a 2.800 metros de altitude. Se o pedal tivesse começado nessa estrada, seria fácil vencer esses 10 km, mas somando aos 45 km já pedalados, posso dizer que o desafio começou a ficar interessante. Caso você esteja pedalando sem um carro de apoio, o Centro de Visitantes é o único lugar onde poderá reabastecer as garrafas de água e comprar alguma comida, mas vale dizer que não há muito mais que uns sanduíches e biscoitos, então eu preferi levar toda minha comida de casa. Por um erro grosseiro de planejamento, saí de Hilo com uma hora de atraso, o que me fez ter que engolir a comida o mais rápido possível para tentar chegar ao cume ainda antes do pôr do sol. Exceto por uma dor abdominal que também tive na vez em que pedalei até aqui fazendo um treino de adaptação, estava me sentindo bem, sem muito cansaço muscular nem fortes dores causada pelo tempo sobre a bicicleta, então não foi um problema ter que encurtar a parada, apenas o psicológico que ficou atrapalhado, já que quem me conhece bem sabe o quanto sou metódico e odeio errar um planejamento.

Texto da placa na chegada ao Centro de Visitantes: Elevação 2.800 metros. Perigo: Tempestades repentinas, fortes ventos, névoa, chuva, granizo, neve, temperatura congelante, mal de altitude.
O terceiro trecho tem 7 km e é o sonho de todo mountain-biker que gosta de uma boa subida. A inclinação média é de 10%, mas alguns trechos têm inclinação acima de 20%! Para piorar, o piso é de cascalho e terra, sendo que em muitos pontos a terra está bem fofa, quase como areia, o que impede que essa escalada seja feita com bicicleta de estrada. Justamente por isso fui com uma mountain-bike aro 29 e pneus de cravo 2.1, o que me desgastou bem mais em todo trecho de asfalto, mas não tive que empurrar a bicicleta em nenhum momento, já que tinha a intenção (ou pretensão, talvez) de fazer tudo sem carro de apoio e sempre, sempre pedalando. Em alguns locais o pneu afundava e o ritmo, que já era lento, caía ainda mais, mas se eu queria vencer a maior subida do mundo, tinha que fazer isso sem abrir exceções. Ao pesquisar outras pessoas que fizeram esse pedal, vi que usaram duas bicicletas: uma de estrada até chegar ao Centro de Visitantes e uma mountain-bike, que estava no carro de apoio, para o trecho final. Nada contra, mas não é meu estilo, gosto de ser autossuficiente (não tendo carro de apoio) e acho mais válido fazer tudo com a mesma bicicleta. Outros ciclistas foram com bikes de estrada com pneu mais grosso que o normal e empurraram nos trechos de terra fofa. Sem querer criticar, mas se você quer falar que pedalou a mais difícil subida do mundo, tem que fazer isso sempre em cima da bike.
O quarto trecho é o último (finalmente!) e, assim como o terceiro, tem média de 10% de elevação com picos acima de 20%. A diferença é que esse trecho está asfaltado, mas não pense que por isso eu consegui pedalar mais rápido, já que o ar cada vez mais rarefeito e o cansaço acumulado dos 62 km anteriores fizeram com que esses últimos 7 km fossem os mais sofridos que já tive em todos meus anos de mountain-bike, um verdadeiro inferno! Eu pedalava sempre no limite e tentava não olhar o que vinha à frente para não desanimar, mas é difícil não observar aquela paisagem linda e completamente diferente aos olhos de um brasileiro desacostumado à aridez das grandes altitudes.
Como depois do Centro de Visitantes só carros 4×4 podem passar, o movimento de veículos não é grande, mas mesmo assim vários diminuíram a velocidade para perguntar de onde eu vinha. Normalmente eu pensava “me deixa quieto, preciso respirar fundo”, mas apesar dessa vontade de não conversar, um dos diálogos foi bem interessante:
-Você saiu de onde?
-Hilo.
-Uau! De onde você é?
-Brasil.
-Vai até o cume?
-Sim.
-Você é uma lenda!
-Obrigado.
Ok, exagero dele, sei que passo longe disso, mas que foi um baita incentivo a continuar, foi. E que também foi uma grande massagem no ego, não posso negar, um pouco de vaidade ajuda a alcançar o objetivo.

Foto feita em minha viagem anterior ao Havaí mostrando o fim da estrada e alguns observatórios
Mesmo tendo feito poucas paradas para alongar e comendo o mais rápido que pude, não consegui chegar ao cume antes do pôr do sol. De qualquer forma, foi uma sensação incrível ter conseguido pedalar a subida mais difícil do mundo sem precisar empurrar a bicicleta em nenhum trecho e sem um carro de apoio levando comida, bebida e roupas de frio. Por falar em frio, saí de Hilo com 28 graus e, no cume, a temperatura estava em 2 graus negativos!

Sol terminando de se pôr e temperatura de 2 graus negativos
Caso queira ver o trajeto gravado pelo GPS, com distância, velocidade e elevação, ele está disponível na minha página do Wikiloc.
Tive a ideia de fazer esse pedal quando viajei pela primeira vez para o Havaí, em 2010, e naquela época eu nem sabia que essa é a maior e mais difícil subida do mundo. Se passaram 6 anos até eu voltar para a Big Island e botar em prática essa ideia fixa, realizando-a no dia 17/04/2016, bem no meu aniversário de 40 anos. E para celebrar o aniversário, meus parentes que moram no Havaí foram de 4×4 até o cume e levaram brigadeiro e champanhe para comemorarmos. Isso sim é um aniversário inesquecível!
Durante a subida, nos momentos mais sofridos, eu pensava “é só uma vez na vida, força!”. Problema é que agora, ao escrever esse texto e relembrar a experiência, estou tendo vontade de repetir… Decididamente, tem algo muito errado comigo.
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