Conheça o livro "As Mais Belas Trilhas da Patagônia"
Torres del Paine, El Chaltén, Bariloche, Ushuaia, Villarrica, Cerro Castillo, Dientes de Navarino e Parque Patagonia
Os Mais Belos Trekkings da Patagônia – Relato de viagem
Esse é o relato de uma viagem de seis meses pela Patagônia, com o objetivo de fotografar os trekkings mais bonitos e publicar um livro, que foi lançado em novembro de 2020. Para ver descrição e algumas fotos do livro, clique no banner no topo da página. Nesse relato há muitas fotos que não fazem parte do livro pois aqui estou contando o dia a dia da viagem, incluindo muitos locais que não estão no livro.
Esse projeto começou a tomar forma depois de uma viagem para Torres del Paine, no Chile. Completamente fascinado pela região, logo passei a pesquisar quais são as trilhas mais bonitas e percebi que não há um consenso entre as revistas e sites especializados, exceto por Torres del Paine e El Chaltén, os pontos mais famosos de Chile e Argentina. Essa discordância acontece não apenas por diferenças de gosto mas, principalmente, porque pouquíssimas pessoas conhecem a fundo toda a Patagônia. Como a lista só crescia, decidi percorrer todos os trekkings descritos como os mais bonitos por diferentes publicações para poder escolher de acordo com minha própria opinião.
Algumas trilhas já estavam definidas e outras entraram para a lista durante a viagem, avaliando o entorno e conversando com os montanhistas locais.
Além dos trekkings, aproveitei também para fotografar muitos atrativos ao longo da Ruta 40 e Carretera Austral, as estradas mais bonitas da Argentina e do Chile.
A viagem teve início no dia 01 de outubro de 2019 e terminou no fim de março de 2020, um pouco antes do previsto por causa da pandemia da COVID-19. Apesar do objetivo principal da viagem ter sido a documentação dos trekkings, os deslocamentos foram feitos de carro para poder levar equipamentos fotográficos diversos, assim como equipamentos de montanhismo e trekking voltados para diferentes climas, além de um bom (e grande) notebook para edição das imagens. Outro motivo para ter ido de carro é porque eu gosto da liberdade de ir para onde quiser, a hora que quiser e parando onde me dá vontade, o que eu não poderia fazer se fosse de avião e ônibus. O carro usado foi um Jimny, que é um pequeno 4×4 da Suzuki, mas se você também tem vontade de fazer uma viagem como essa, saiba que as estradas da Patagônia são boas e não é necessário ter um 4×4.
O livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia foi lançado em novembro de 2020, tem 150 fotos distribuídas em 140 páginas com 30 cm x 30 cm, capa dura e textos em português e inglês. Clique no link a seguir para ver muitas fotos que fazem parte do livro e, também, para ler dicas para planejar sua viagem: https://ricardoferes.com/trilhas-patagonia/
O mapa abaixo mostra todos os locais descritos nos textos.
Bariloche
Los Alerces
El Chaltén
Glaciar Perito Moreno
Puerto Natales
Torres del Paine
Cabo Froward
Parque Pinguino Rey
Sierra Valdivieso
Dientes de Navarino
Parque Nacional Monte León
Parque Nacional Patagonia
Villa O'Higgins
Caleta Tortel
Cerro Castillo
Futaleufú
El Bolsón
Villarrica
Valle Las Trancas
Viña del Mar
Mendoza
Santa Fé
Novo Hamburgo
Florianópolis
São Sebastião
Río Gallegos
Clique nos títulos abaixo para abrir o relato correspondente.
01 a 04/10/2019 - De São Sebastião (Brasil) a Bariloche (Argentina)

Jimny na Rio-Santos, partindo de São Sebastião.
Foram 4 dias dirigindo de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, até Bariloche, meu primeiro destino na Patagônia Argentina. A distância percorrida nesses 4 dias foi de 3.933 km em 49 horas e 35 minutos, sem contar as paradas pra abastecer o carro e o motorista.

Ao fim do primeiro dia, em torno das 22:00, quando já estava cansado, vejo a placa “Preços especiais para viajantes” em um motel. Não tive dúvida, pois além de adorar preços especiais, é ótimo ter o carro bem perto quando ele está cheio de equipamentos.
Eu gosto de dirigir na estrada e de fazer longas viagens de carro, mas não posso dizer que esses dias foram divertidos, já que os únicos trechos bonitos foram os do início, bem perto da minha casa, ainda na Rio-Santos, e no fim do quarto dia, rodando os últimos 200 km até chegar em Bariloche, quando começaram os lagos e as lindas montanhas do Andes.

Um amigo que fiz nessa viagem e que tentou entrar no carro, acho que queria ser adotado.
Durante esses quase 4 mil km teve muito sol no começo, depois veio muita chuva mas, felizmente, o único imprevisto aconteceu quando eu iria finalmente entrar na Patagônia, ao cruzar o Rio Colorado. No dia 03 eu decidi que iria dormir um pouco antes desse rio, assim o atravessaria logo cedo e chegaria em Bariloche ainda no meio da tarde, com tempo de ir ao Club Andino Bariloche pra pegar informações atualizadas sobre as trilhas. Acordei no dia 04/10 com temperatura de apenas 2 graus e segui sem nem mesmo tomar café-da-manhã, faria isso um pouco mais tarde, mas depois de dirigir por uma hora e chegar na ponte que cruza o Rio Colorado, ela havia sido fechada pra recapearem o asfalto. Nenhum aviso na estrada, imaginem a frustração quando me falam “se tivesse chegado 10 minutos antes, teria passado”. Enfim, retornei e peguei uma estrada de rípio (terra com cascalho) por 80 km até chegar em outra estrada asfaltada e voltar a dirigir pro sul. Devo ter perdido apenas uma hora e meia mas foi tempo suficiente pra não conseguir encontrar o Club Andino aberto, então relaxei e fui dirigindo bem tranquilo, parando em vários locais pra fotografar.

Na terceira noite, já na Argentina, dormi em outro motel, mas esse faz justiça ao nome original, que vem dos EUA e é a junção de hotel + motor, ou seja, o carro fica junto da porta do quarto

Represa Alicurá

Represa Alicurá

Rio Limay
Interessante é a diferença de fiscalização policial nas estradas argentinas e brasileiras. Enquanto no Brasil eu não vi a polícia parando os carros em nenhum local, na Argentina, apenas no primeiro dia, vi 5 comandos. Em um deles eu fui parado e o policial pediu os documentos e também o extintor. Vendo que estava tudo correto, perguntou:
-Vem de onde?
-São Paulo (ele não saberia se eu falasse São Sebastião).
-Vai pra onde?
-Bariloche.
-Sozinho? (olhando pro banco do passageiro atulhado de comidas, câmeras, etc)
-Sim.
-Cadê tua garota?
-Também quero saber.
-Ela está te esperando em Bariloche. (E aí começou a dar dicas de outros locais pra visitar pela Argentina)
Essa é minha segunda viagem de carro pela Argentina, já fui parado diversas vezes e os policiais sempre foram honestos e simpáticos, acabando com a má impressão que muitos brasileiros haviam me dado com histórias de corrupção e extorsão.
05 a 07/10/2019 - Bariloche (Argentina)

Bariloche e o Lago Nahuel Huapi
Depois de 4 dias na estrada, dirigindo em média 12 horas por dia, foi um alívio chegar em Bariloche e ser muito bem recebido por Anibal e Andrea, os donos da Hostería La Pastorella, que me hospedaram como cortesia por três noites em sua acolhedora pousada, que é como chamaríamos uma hostería no Brasil.

Meu quarto na Hostería La Pastorella
No primeiro dia eu queria subir o Cerro Campanário, que tem uma das vistas mais bonitas de Bariloche, mas como estava nublado e ameaçando chover, desisti. Afinal, foto no Campanário com tempo fechado eu já fiz há alguns anos, quando estive pela primeira vez em Bariloche, com a minha (na época) namorada. Resolvi sair de carro apenas pra passear um pouco por umas estradas que eu não havia conhecido na minha viagem anterior.

Lago Nahuel Huapi visto do Circuito Chico, infelizmente em um dia cinzento

Cachoeiras no Arroyo Goye vistas da estrada
No fim do dia, como o tempo estava melhorando, subi de carro o Cerro Otto e depois fiz uma curta caminhada para ver o pôr-do-sol com vista para os lagos e o Cerro Catedral. Meu erro foi ter me esquecido que já estava na Patagônia e que iria esfriar muito, o que não demorou pra acontecer. Dois pares de luvas na mala e nenhum comigo, erro de principiante… Quando estava voltando pro carro, vi que o termômetro do GPS marcava 1 grau, sem contar o vento bem forte. Lição aprendida!

Pôr-do-sol visto do Cerro Otto
O segundo dia amanheceu como estava previsto, com chuva fraca mas constante, então aproveitei pra dormir bastante, editar as fotos e escrever um pouco. No fim do dia saí pra andar pelo centro e, de noite, pra jantar como cortesia no restaurante Familia de Caso. Não foi difícil escolher o que ira comer, afinal, estou na Argentina e tinha que provar uma boa carne.

Ojos de bife (também conhecido como bife ancho) delicioso no restaurante Familia de Caso
Na manhã do dia 07/10 eu tinha que pegar a estrada de novo, mas apesar de adorar Bariloche, não foi uma partida difícil, já que eu pararia aqui novamente, já perto do fim da viagem, para fazer duas travessias no Parque Nacional.

Lago Gutiérrez e Parque Nacional Nahuel Huapi
07 a 09/10/2019 - Parque Nacional Los Alerces (Argentina)

Chegando em Los Alerces pela portaria norte
Já que o clima me fez adiar a travessia que eu queria fazer em Bariloche, resolvi usar esses dias para ir ao Parque Nacional Los Alerces, que estava planejado para ser feito no fim da viagem, invertendo a sequência mas sem excluir nada. Bom, pensei que não fosse excluir, mas quando fui conversar com o guarda-parque, descobri que as trilhas que eu gostaria de fazer ainda estavam fechadas, apesar de já estarmos na primavera.

Praia em Punta Mattos, com acesso por boa estrada de terra

Lago Futalaufquen e a estrada que corta o parque de norte a sul
A princípio a frustração foi grande, mas a vista da estrada que corta o parque é tão bonita que até me gostei da ideia de ver lindas paisagens sem fazer esforço, e também porque há alguns mirantes e cachoeiras com acesso por caminhadas bem curtas.

Mirante para o Lago Verde (norte do parque), com acesso por trilha de aproximadamente 1,5 km (ida e volta)

Cachoeira Irigoyen, acessada por trilha ainda mais curta que a do Lago Verde
A estrada está asfaltada em quase todo o parque e os trechos de terra estão em bom estado. Dentro de Los Alerces há hotéis, pousadas, cabanas e campings e, no verão, há passeios de barco pelo lago Futalaufquen, que tem profundidade média de 150 metros e é muito procurado por pescadores de pesca com mosca.

Lago Futalaufquen

Praia Coyhue Viejo sob a luz do luar

Rio Arrayanes visto da passarela
Como não pude subir as montanhas, duas noites foram suficientes, mas no verão o ideal é passar ao menos 4 dias para conhecer bem tanto as trilhas como os lagos. Já que no começo de outubro isso não é uma opção, botei o jipinho na estrada e fui para El Chaltén, a capital argentina do trekking.

Los Pozones, no extremo sul do Parque Nacional

Esse é um alerce, árvore que deu nome ao parque e que é considerada um dos seres vivos mais antigos da Terra. Esse tem idade aproximada de “apenas” 300 anos, mas o mais velho tem idade aproximada de 2.600 anos! Para ver o alerce mais velho é preciso pegar um barco, que só funciona no verão.
10 a 16/10/2019 - El Chaltén (Argentina)

A estrada para El Chaltén teve diversos encontros com flamingos e guanacos. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Há anos que eu estava curioso para conhecer El Chaltén, uma charmosa vila que se auto intitula como a capital do trekking da Argentina. Ainda antes de chegar na vila, a vista para o maciço do Fitz Roy impressiona e faz com que o motorista divida sua atenção entre a estrada e as montanhas.

El Chaltén e o Fitz Roy vistos de um mirante ao lado da estrada. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Ao chegar em Chaltén vem a boa sensação de estar em um local que vive do turismo, mas que não perdeu sua alma por isso. Dá gosto passear para conhecer seus bares, restaurantes e, como em toda pequena cidade da Patagônia, para brincar com os muitos cachorros soltos pelas ruas, e foi o que eu fiz nos dois primeiros dias, enquanto esperava o tempo melhorar para poder percorrer o primeiro circuito da minha lista.
Em Chaltén se pode fazer quase todas as trilhas no estilo bate-volta, para quem quer ter o conforto de dormir na vila, mas eu não sou o maior fã de ir e voltar pelo mesmo caminho, então juntei diversas trilhas para caminhar em um circuito de 4 dias, acampando pelo caminho.

Não é raro avistar um pica-pau pelas trilhas da Patagônia.
A previsão dizia que haveriam dois dias de muito sol e um terceiro dia com mudança de tempo à tarde, então resolvi retirar a primeira perna do circuito para fazê-la depois, estando assim nos pontos mais importantes (Fitz Roy e Cerro Torre) nos dias com melhor luz. Já que haviam me falado que um remis (táxi com preço fixado antes da corrida) até o início da trilha sairia por 800 a 1000 pesos (60 a 75 reais), fui com uma van que cobra 400 pesos e sairia às 07:30, tendo como destino a Hostería El Pilar.
Eu preferiria ir antes, mas pela diferença de preço, sem problemas em perder meia hora. Aí vem a primeira dica: não peguem as vans, elas se atrasam para chegar, daí se perde ainda mais tempo porque passam em outras pousadas e andam incrivelmente devagar na estrada de terra. E eu ali, olhando aquela luz incrível e pensando se chegaria em tempo de fotografar… Respirei fundo e tentei relaxar, já que não tinha o que fazer e a previsão era boa para os outros dias também.
Outra coisa que eu não sabia é que a van faria paradas pelo caminho, dando tempo para quem quer fazer selfies e ouvir chatices curiosidades sobre a região. Bom, já que não tinha jeito, também saí para fotografar e foi quando vi que eu estava com a lente errada! Pois é, na noite anterior a lua estava tão linda que eu coloquei a teleobjetiva para fotografá-la, voltei correndo para a pousada e me esqueci de recolocar a lente certa. Enfim, fico imaginando o que pensaram as pessoas que me viram olhando para a câmera e falando “MERDA MERDA MERDA” sei lá por quantas vezes.

Aqui a “culpada” por eu estar com a lente errada. Afinal, como já disse Homer Simpson, a culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser.
Avisei o motorista da van que eu voltaria andando e tentaria uma carona pelo caminho. Uns 5 minutos depois apareceu uma picape vermelha, estiquei o dedão e, só por garantia, fiquei no meio da estrada, assim se ele não quisesse me dar carona, teria que me matar. Chegando em Chaltén, o chileno gente boa que estava dirigindo me falou que precisava virar à direita, então eu desci e saí andando rapidamente para a pousada, quando vi que o celular caiu do bolso e estava indo embora com o carro. Imagine a cena de um sujeito com uma cargueira nas costas correndo atrás de uma picape vermelha… Eu sei, pode rir, agora eu também dou risada disso, mas na hora eu só conseguia pensar “parece a primeira vez que você faz trekking, que idiota!”.
Enfim, cheguei na pousada, troquei a lente, chamei um remis e soube que custaria 1.500 pesos! Até ontem estava entre 800 e 1.000, agora custa 1.500? Dei tchau e boa sorte para a taxista exploradora, resolvi fazer o circuito por outra trilha, com início na própria cidade, já que eu não iria mesmo para a Pedra del Fraile. Irritado (comigo mesmo) até não poder mais, pensei “essa é a hora de usar os ensinamentos da meditação e yoga”, mas logo me lembrei que não consigo meditar e que só fiz 3 aulas de yoga, então resolvi andar até as coxas ficarem queimando, isso sim me acalma.
No final, quer saber? Mudar o ponto de início da caminhada foi a melhor decisão, já que a trilha que sai de Chaltén em direção ao Fitz Roy é linda demais, quase sempre com vista para a montanha, que vai crescendo a cada passo.
A trilha tem pouca elevação até chegar o último quilômetro, quando fica bem íngreme para poder vencer um desnível de 500 metros. Enfim, a subida não é grande coisa para quem tem costume de fazer trilhas e chega até a Laguna de los Tres, bem na frente do Fitz Roy, que se eleva por mais de 2 km acima da laguna, atingindo 3.350 metros de altitude.

As trilhas são bem marcadas e há pontes nos trechos com água.
A dica número dois para quem quer conhecer Chaltén é: vá no verão. Isso porque no inverno a Laguna de los Tres fica congelada e, se você não souber que ali tem um lago, vai achar que é uma planície na beira da montanha. Claro que é bonito, mas a vista que se tem no verão é ainda mais impressionante, então eu voltei alguns meses depois para poder fotografar também com o visual de verão.
Dica três é: durma no acampamento Poincenot e madrugue para poder estar lá em cima logo cedo, vendo o sol pintar o Fitz Roy de laranja. É importante saber que o sol bate na montanha meia hora antes do horário em que ele nasce, muita gente chegou no horário oficial que o sol nasce, mas perdeu o melhor momento.
Em vez de acordar para ver o sol nascer, resolvi ir durante a noite para poder fotografar sob a luz da lua cheia. Não vou dizer que é agradável sair da barraca no meio da noite e passar horas a 4 graus negativos, mas valeu cada segundo, foi bom demais estar na beira da laguna sozinho, com a lua iluminando as montanhas e sem ouvir qualquer barulho que não fosse da minha respiração.

Sem dúvida uma das noites mais bonitas que já tive nas montanhas. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.

Me aquecendo um pouco antes do café-da-manhã.
Junto com a luz foram chegando as pessoas e, depois de tomar café e me aquecer, era hora de seguir até o acampamento De Agostini, junto da Laguna Torre, que dá vista para o Cerro Torre. Dia de caminhada bem tranquila, já que o ganho de elevação é pequeno. Chegando no acampamento, montei a barraca e fui dar uma olhada na laguna, mas como a luz não estava boa, resolvi dormir bem cedo para, mais uma vez, acordar de madrugada e aproveitar a luz da lua e o amanhecer.

Amanhecer com vista para a Laguna Torre e o Cerro Torre, considerada por muitos como umas das escaladas em rocha mais difíceis do mundo. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.

Mais uma vez, aproveitando cada raio de sol para espantar o frio.
Depois de mais um café com vista panorâmica, desmontei acampamento e voltei para El Chaltén com a certeza de que o título de capital argentina do trekking não é à toa.
17 a 19/10/2019 - Glaciar Perito Moreno e El Calafate (Argentina)
Eu ainda tinha muitas trilhas para fazer em El Chaltén, mas como a previsão do tempo estava ruim por 3 dias, fui para El Calafate. Assim, durante os dias nublados eu faria fotos de alguns hotéis e, quando melhorasse, conheceria o tão famoso Glaciar Perito Moreno.
A estrada entre Chaltén e Calafate não tem muitas vistas bonitas, só quando ela se aproximou do Lago Argentino que tive motivo para parar e fotografar um pouco.

O Lago Argentino é o maior lago que está integralmente dentro da Argentina, já que o Lago Buenos Aires tem parte de sua área no Chile
Calafate é uma cidade que, assim como Chaltén, sobrevive do turismo. Calafate é maior e tem mais opções de serviços, mas ao contrário de Chaltén, não é charmosa, apesar de ser bonita e organizada. Enfim, é uma boa base para os passeios pro glaciar, que podem ser feitos apenas com uma caminhada pelas passarelas, com passeios de barco ou com um trekking sobre o glaciar.

A geleira tem 5 km de frente, quase sempre em contato com o lago, apenas um pequeno trecho está avançando sobre terra

A altura da geleira no ponto onde se encontra com o lago fica entre 60 e 75 metros

Face sul do Perito Moreno
Como Calafate não tem travessias de trekking e, portanto, não faz parte do meu projeto, liguei o modo preguiça e apenas passei uma ou duas horas andando pelas passarelas, que oferecem vistas impressionantes para uma das maiores geleiras do mundo.

Fiquei apenas umas duas horas nas passarelas, tempo suficiente para percorrê-las com calma e fazer umas fotos de turista, já que essa geleira não faz parte do meu projeto.
Fotos para os hotéis prontas, geleira visitada, voltei para El Chaltén para continuar com os circuitos de trekking.
20 e 21/10/2019 - El Chaltén pela segunda vez
De volta a Chaltén, com o tempo um pouco melhor, resolvi completar o circuito que havia feito há alguns dias. Agora faltava fazer a trilha até a Pedra do Fraile e, depois, seguir para o mirante do Glaciar Piedras Blancas até chegar no ponto que já havia caminhado.
Equipamentos prontos, café da manhã finalizado, entrei no carro para ir até o início da trilha e encontro o vidro lateral traseiro quebrado. Consegue imaginar minha surpresa e decepção? Primeiro pensei que poderia ter sido o vento ou a diferença térmica, ou mesmo que algum desastrado bateu sem querer, mas ao ver que outro carro também teve o vidro quebrado, percebi que foi coisa de um ladrãozinho incapaz até de arrancar um vidro quebrado. Em uma cidade em que as casas e comércios não têm cercas nem portões, é realmente surpreendente uma coisa assim.
Enfim, fiz o boletim de ocorrência e saí em busca de um novo vidro, mas como não existe Suzuki na Argentina, tive que encomendar um vidro para ser entregue em uma loja em Puerto Natales, no Chile. Essa cidade fica a umas 6 horas de Chaltén e, mesmo com protestos ocorrendo por todo o Chile, tive que ir para deixar o carro arrumado.
22 a 24/10/2019 - Puerto Natales (Chile)
Puerto Natales é uma pequena cidade à beira mar, apesar que o Golfo Almirante Montt mais parece um grande lago, por ser cercado de montanhas nevadas. Quem vem a Natales quase sempre tem como destino o Parque Nacional Torres del Paine, enquanto eu fui para poder trocar o vidro quebrado do meu Jimny. Para minha alegria, quando cheguei na cidade o vidro também já havia chegado, só que ele veio de ônibus desde Punta Arenas, evitando que eu tivesse que dirigir ainda mais longe.

Golfo Almirante Montt
O serviço não poderia ter sido mais porco, já que riscaram a lataria em vários pontos, acho que até o ladrão foi mais cuidadoso que o tal “profissional” da loja Solovidrios, mas eu nem me preocupei em reclamar porque não resolveria nada e, também, porque não ligo se a lataria tem mais uns riscos, importante é a mecânica estar em bom estado.

Pôr do sol em Puerto Natales

Pôr do sol em Puerto Natales

Pôr do sol em Puerto Natales
Aproveitei os dias na cidade para editar fotos e ver os protestos que estavam sacudindo o Chile, mas que aqui foram pacíficos, inclusive com crianças e idosos participando das passeatas, nada como em Santiago ou em outras grandes cidades chilenas.

Plaza de Armas Arturo Prat

Protesto começou com música e depois teve uma tranquila passeata pela cidade, sob o olhar curioso dos turistas
Depois de tudo pronto, eu tinha 8 dias livres antes da reserva para fazer o circuito de trekking em Torres del Paine, então decidi ir antes para fotografar outras áreas do parque.
25/10/2019 a 08/11/2019 - Torres del Paine (Chile)

Mirador Los Cuernos, com vista para o lago Nordenskjöld e os Cuernos del Paine, onde passei a tarde do dia mais bonito antes de entrar no circuito de trekking
Torres del Paine é conhecido em todo o mundo por ter um dos circuitos de trekking mais bonitos do planeta, mas isso vem com um preço que é alto para quem não ganha em dólares ou euros. Além do custo é bastante irritante e complicado fazer as reservas do circuito Macizo Paine, mais conhecido como O, ou do circuito W. O circuito O é o maior e costuma levar 8 dias, já o circuito W é uma parte do O, deixando de lado um terço dele e sendo bem mais lotado, já que a quase totalidade das pessoas opta por esse roteiro. Para ler um relato sobre o circuito O que fiz em 2011, acesse esse link: https://ricardoferes.com/project/torres-del-paine-chile/

Nos 15 dias dentro do Parque Nacional, tive dois pores do sol bonitos e esse é um deles, o outro está no livro
A minha primeira viagem para Torres del Paine foi em novembro de 2011, em uma época em que era possível ir sem reserva e pagar os campings no próprio local, sem burocracia alguma. Agora, em 2019, é preciso reservar e pagar tudo com antecedência, já que o parque fica lotado desde o meio da primavera até o fim do verão. Eu tentei fazer reservas para o circuito O dois meses antes da minha chegada e não consegui. Haviam vagas se eu quisesse alugar barraca ou dormir nos refúgios, mas levando minha própria barraca e comida, não pude. Imagino que deixem pouquíssimas vagas para quem viaja de modo independente, já que esse tipo de trekking dá pouco dinheiro para os refúgios. Para piorar, existem 3 diferentes administradores dos campings e refúgios, sendo duas empresas privadas e a CONAF, o órgão federal que controla os Parques Nacionais chilenos. Tente fazer as reservas nos três de modo que a data de uma empresa se encaixasse na data da outra empresa e entenderá minha indignação…
Enfim, eu só consegui fazer reservas para o circuito W e, mesmo assim, tendo que chegar 15 dias antes do que eu estava planejando. Como o vidro do carro (explicação na postagem anterior) ficou pronto 8 dias antes da minha primeira noite reservada em Paine, fui para o parque e dormi no camping Pehoé, fazendo algumas trilhas fora do circuito O ou W. Para minha feliz surpresa, existe um mirante incrível bem perto do Camping Pehoé, chamado Mirador del Cóndor, assim como uma pequena e linda praia no próprio camping, que fica em frente ao lago Pehoé.

Uma das praias junto ao Camping Pehoé
O que não me ajudou muito foi o clima, que por aqui costuma ser bem instável, indo de sol para chuva (ou neve) em questão de minutos, mas nesses 8 dias o tempo ficou quase sempre nublado em volta das montanhas, que são o objetivo da minha viagem. Aproveitei então para descansar, ler e conversar com um grande fotógrafo que também estava acampado lá, junto com sua amiga, ambos chilenos e moradores de Puerto Natales.
Eu passava a maior parte do tempo no carro, estacionado com vista para as montanhas, à espera do tempo melhorar. Em um dos dias, lá pelas 20:00, saí do carro e fui para o restaurante editar as fotos, quando pouco depois entrou um holandês todo agitado me perguntando se eu havia visto o puma. Achei que ele estivesse me sacaneando ao dizer que o puma passou bem do lado do meu carro, mas ao ver as fotos que o funcionário do camping fez com o celular, vi que não era piada, um puma passou exatamente no lugar em que eu estava parado por horas, só que uns 15 minutos depois que eu saí. E para terminar de me provocar, ele ficou sentado em um mato baixo posando para o celular do Marinero, esse funcionário gente boa que trabalha no camping Pehoé. Dois dias depois chegou um pessoal de carro e falou que viram um puma cruzando a estrada, também no fim do dia, ou seja, parece que esse é o horário que eu tenho que ficar de olhos abertos, já que é quando eles saem para caçar.

No dia que amanheceu bonito, peguei o carro e fui ara o outro lado do parque para fotografar a Cascada Paine com as Torres ao fundo, mas naquela região haviam nuvens.

Ao menos a Laguna Amarga eu consegui fotografar nesse dia, vejam as nuvens que impediam a vista a partir da cachoeira que fica abaixo desse ponto
Terminados os 8 dias de espera, fui para o circuito W, finalmente! O primeiro dia foi de ascensão ao camping Chileno, que fica a duas horas das torres que dão nome ao parque. Chegando no camping no começo da tarde e vendo que as torres estavam escondidas atrás das nuvens, resolvi descansar até a madrugada seguinte para subir antes do nascer do sol e fotografá-las pintadas de laranja, como fiz na minha primeira viagem. Só esqueci de combinar com o clima, já que durante a noite nevou bastante e, de madrugada, o cenário estava ainda pior, então novamente não fui para as torres. Só quem ficou feliz com aquele clima foi um casal de brasileiros que estava terminando o W (esse ponto pode ser o início ou fim do circuito) e nunca haviam visto neve, então ficaram contentes por ver neve pela primeira vez, o que é realmente marcante. Já eu, segui até o camping Francés, que fica bem perto do Valle del Francés, à espera do dia seguinte.

Manhã do segundo dia, que seria dedicado às Torres, se não fossem as nuvens
O terceiro dia amanheceu nada promissor, mas mesmo assim, subi o vale com aquela mínima esperança de que poderia melhorar. E melhorou! Ao chegar no Mirador Francés as nuvens começaram a dar espaço para o sol e o ânimo de todo mundo que lá estava melhorou bastante. Hora de correr para o Mirador Británico, já que sol pode durar poucos minutos. Durante a caminhada, ouvi o barulho de uma avalanche e vi que não era uma avalanche qualquer, foi a mais bonita que já presenciei e consegui fotografá-la quase toda, perdendo só o começo por conta do tempo de pegar a câmera. Animado por ter presenciado e fotografado algo tão impressionante, segui até o Mirador Británico e consegui fazer algumas fotos um pouco antes de chegar, pois logo as nuvens voltaram a esconder as montanhas. Tudo bem, ao menos esse dia foi produtivo e segui até ao camping Paine Grande curtindo o visual do vento sobre os lagos, que levantava a água como se estivesse chovendo.

Tempo fechado no Valle del Francés, que felizmente melhorou e me deu de presente o vídeo abaixo
Noite toda de muita chuva e o quarto dia começou péssimo, com todo mundo que estava acampado sem saber o que fazer: seguir para o Grey ou permanecer mais um dia? Eu tinha duas noites reservadas no Grey, então pedi para dormir no Paine Grande de novo, não fazia sentido nenhum caminhar sob chuva sem poder fotografar. Passei o dia na barraca ou no refeitório, lendo e conversando com gente de todo o mundo. Tá bom, mais lendo que conversando, mas garanto que bati um bom papo com um grupo de mineiros e fiz a social da semana.

Nesses dias em Paine foram 2,5 livros lidos, ao menos a leitura rendeu bastante
Quinto dia amanheceu com chuva leve e, de qualquer forma, agora as opções eram de ir pro camping Grey ou ir embora. Melhor ir pro Grey e ver no que dá… Caminhada sob chuva fraca ou média, até que parou no começo da tarde. Montei a barraca e fui até o mirante que dá vista frontal para a geleira, quando tive sorte de não chover e poder fotografar um pouco. Queria sol e céu azul para mostrar a linda cor dos icebergs, mas isso seria pedir demais, então contentei com a falta de chuva e voltei para o camping, sempre de olho no céu para ver se teria um belo pôr do sol, coisa que não aconteceu.

Icebergs do Glaciar Grey
No dia seguinte, o sexto, a volta para o camping Paine Grande foi mais uma vez sob fortes ventos, alguma chuva e nenhum visual bonito. No caminho, fiquei pensando se deveria já pegar o barco no fim do dia para buscar o carro e ir embora, assumo que em todo esse tempo não pude deixar de me preocupar com os equipamentos que estão no carro. Mesmo com essa preocupação, acabei ficando outra noite no Paine Grande para, em vez de voltar de barco, voltar por uma trilha que ainda não conhecia, o que me deixou mais animado.
Acordei no sétimo dia e iniciei a caminhada às 06:30, andando rápido porque tinha que estar na parada do ônibus antes das 12:30 e haviam 19 km para percorrer. A trilha foi mais fácil do que pensei, plana em seu maior trecho, e cheguei às 11:00. Em vez de esperar o ônibus, resolvi pedir carona e ver se alguém levaria um trilheiro sujo. Primeiro carro, não deu. Nem o segundo, terceiro, décimo… Até teve uma família que parou mas já haviam cinco pessoas no carro e eu mesmo disse que não teria como colocar mais um ali, ainda mais um que está sujo e suado. Felizmente, logo depois parou um casal de uns 65 anos, de Praga, na República Checa, e eles me levaram por dois terços do caminho, quando tiveram que desviar da minha estrada. Eles falavam um inglês muito ruim, mas mesmo assim não tinham vergonha de conversar sobre seu país, perguntar do Brasil, enfim, um bom exemplo de que é possível ter alma de mochileiro mesmo na terceira idade.

Trilha Paine Grande – Las Carretas, que leva do camping Paine Grande até a estrada onde passa o ônibus
Voltando à estrada, fiquei ali parado pensando se precisaria de outra hora e meia de espera até alguém me levar ao destino final, mas não se passaram 10 minutos até que dois homens, na faixa dos 20 e poucos anos, parassem pra me ajudar. O mais curioso não foi o pouco tempo de espera, foi que os dois também são de Praga, a mesma cidade da carona anterior! Quando eu for para República Checa, acho que só vou viajar de carona… Depois que me deixaram na portaria, fui de ônibus até o estacionamento e fiquei relembrando a viagem anterior e como o clima influencia demais na percepção do local. Para explicar melhor, vale dizer que as pessoas que conheci durante o circuito W nesse ano, quando eu perguntava o que estavam achando, diziam que é bonito, que estão gostando, mas sempre sem empolgação. Teve até um casal que falou que Pucón é muito mais bonito que Torres del Paine, mas a verdade é que eles tiveram uma experiência bem melhor em Pucón porque lá tiveram dias de sol e puderam aproveitar a natureza impressionante dos Andes em sua plenitude, o que me leva a dar uma dica importante pra quem quer conhecer Torres del Paine: venha com tempo, senão você vai pegar alguns aviões e ônibus, gastar um bom dinheiro e talvez não se impressione com nada do que o parque pode te oferecer. Já os dias que tive no camping Pehoé serviram para me mostrar que o Parque pode ser muito bem aproveitado por quem não quer fazer trilhas longas ou mesmo para quem quer apenas passar de carro, pois a estrada que corta o parque oferece vistas de deixar qualquer pessoa impressionada, então seja lá qual for seu estilo de viagem, pode ir para Paine que, se o tempo permitir, vai voltar com uma viagem inesquecível na bagagem.

Esse é o Mirador Ferrier, uma subida de duas a três horas que leva a um dos mirantes mais bonito do parque, mas que não faz partes dos circuitos O e W

Para quem quer fazer uma trilha curta, a que leva ao Salto Grande é uma ótima opção
09 a 16/11/2019 - Cabo Froward (Chile)
Na época das pesquisas sobre as trilhas mais bonitas da Patagônia, de vez em quando aparecia o trekking para o Cabo Froward, que é o ponto mais ao sul do continente sem precisar atravessar o Estreito de Magalhães. Vi muitas fotos e relatos e não conseguia entender porque algumas pessoas falavam que esta trilha está entre as mais bonitas de uma região como a Patagônia, com suas majestosas montanhas. De qualquer forma, coloquei na lista das trilhas a fazer para conferir. Quando cheguei em Punta Arenas eu estava atrasado na minha programação, mas como esse inverno foi longo e as lagunas nos meus próximos destinos ainda estavam congeladas, decidi fazer a trilha para deixar passar mais uns dias e ter tempo do sol aparecer e derreter todo esse gelo.

Punta Arenas é uma cidade com grande número de turistas, mas que mantém um ar de cidade real, com serviços que não se consegue em uma cidade voltada apenas ao turismo. E, ainda por cima, fica em frente ao Estreito de Magalhães com suas aves, pinguins e baleias, mas essas apenas no verão.

Quando o verão se aproxima e a temperatura sobe, os moradores correm para as praças para aproveitar a vida ao ar livre.
A cidade base é Punta Arenas, mas como ela fica a 70 km do início da trilha, deixei meus equipamentos no Hostal Innata Patagonia, que apesar do nome não é o que no Brasil nós chamamos de hostal (albergue). Na Patagônia eles usam esse nome tanto para um local com camas em quartos compartilhados como para o que nós chamamos de pousada, e nesse caso é uma pousada bem confortável, com quartos privativos e apartamentos com cozinha. Enfim, fui muito bem recebido em meus dias na cidade e tenho que agradecer por terem guardado o monte de malas de equipamentos de foto e montanhismo durante os dias que eu fiquei fora, já que o carro ficou estacionado no fim da estrada.

Nascer do sol no caminho que leva ao início da trilha
Saí bem cedo de Punta Arenas e comecei a caminhar às 07:00. O dia estava nublado e o mar, incrivelmente calmo, não havia uma onda sequer! Logo percebi que a caminhada, apesar de ter poucas subidas, não seria tão fácil, já que precisaria caminhar em diferentes terrenos que, quase sempre, faziam a velocidade ficar baixa.

Apesar de parecer firme, esse cascalho afunda com cada passo, fazendo com que o desgaste seja como o de uma leve subida

Na maré baixa há mais espaço para caminhar, mas é bom ter muito cuidado para não escorregar nas algas
Vez por outra era necessário pegar uma trilha que desviava de trechos de costão ou mesmo de praias que ficam sob a água com a maré alta. A marcação dessas trilhas foi feita do modo mais improvisado que já vi, com fitas coloridas, sacos plásticos e até com peças de roupas velhas como meias, cuecas e gorros. Um tanto quanto tosco, mas não posso negar que funcionou muito bem.

Faro San Isidro, bastante visitado por quem quer fazer trilha de um dia
No primeiro dia encontrei apenas 3 chilenos que estavam voltando para a cidade pois não encontraram o caminho para o Faro San Isidro. Achei estranho porque, pelo que eu havia lido, é só seguir pela praia e, talvez, pegar uma trilha lateral por um curto trecho. Perguntei se queriam me acompanhar, mas recusaram, então segui em frente e cheguei em meia hora no farol, sem entender como não encontraram um caminho tão fácil.

Bahia del Cañon

A ilha Tortuga pode ser acessada sem molhar os pés quando a maré está baixa
Em todo o percurso há quatro rios que precisam ser cruzados, mas dois deles estão com muitas árvores caídas e dá para ir se equilibrando até a outra margem. Para atravessar os outros dois é recomendável esperar a maré baixa, já que a água é incrivelmente fria e a corrente pode ser forte, dependendo da vazão dos rios. Eu até tentei atravessar o Río San Nicolas, que é o mais fundo, com maré média, mas voltei quando vi que teria água até o peito, então fiquei esperando por duas horas até a maré mais baixa. Entrei na água, o rio foi ficando cada vez mais fundo e eu pensando “o saco não, por favor, o saco não”, e quando a água estava quase lá eu passei a andar na ponta dos pés, quase usando os bastões como pernas de pau. Apesar da cena ridícula, cheguei feliz do outro lado por não ter colocado meus órgãos vitais na água de degelo, e enquanto as mulheres agora estão me julgando, tenho certeza que os homens que estão lendo esse texto me entendem perfeitamente.

Atravessando o Río San Nicolas com a maré baixa

Sabendo que a maré não subiria mais, aproveitei para acampar bem perto da água

Nascer do sol visto da frente da barraca
O segundo dia estava com o clima igual ao do primeiro, quase sempre nublado e, de vez em quando, com um pouco de sol ou garoa. A diferença foi que nesse dia o avistamento de fauna foi bem mais intenso, com diversos grupos de golfinhos, alguns lobos marinhos e, o mais legal, 4 orcas, que pude reconhecer apenas pelo tamanho das barbatanas dorsais, já que estavam muito longe da costa. Mesmo distantes foi um encontro empolgante, já que eu nunca imaginei ver orcas durante um trekking.

Vi dezenas de golfinhos no segundo e terceiro dias, pena que eles são tímidos e não deram saltos para a câmera, isso foi o máximo que um deles se expôs

Vi menos lobos marinhos que golfinhos, mas eles se exibiram um pouco mais
Quando cheguei perto do Cabo Froward, resolvi subir o morro em que está a Cruz de los Mares levando todo o equipamento, assim eu poderia acampar no cume e fazer fotos noturnas com mais facilidade. Felizmente, não só existe uma pequena área em que se pode montar uma barraca como também há um lago perto para pegar água, então fiquei por ali mesmo. Só não dei sorte de ter uma noite sem nuvens, então o que fiz foi dormir bastante, o que também não é um programa ruim.

Essa é a Cruz de los Mares, construída a 400 metros de altura no Cabo Froward, o ponto mais austral da massa continental da América (ponto mais ao sul que se pode chegar sem atravessar um braço de mar). A cruz tem 24 metros de altura e foi construída pela primeira vez em 1913, mas por causa das severas condições climáticas, precisou ser refeita várias vezes, sendo que a atual é toda de metal vazado e foi instalada em 1987, como uma homenagem à visita do Papa João Paulo II ao Chile naquele mesmo ano.

Para ter melhor noção de tamanho, eu estou abaixo da cruz, com uma jaqueta vermelha
Acordei com tempo feio demais, mas ao menos não chovia como durante a noite, então coloquei tudo na mochila antes que a chuva voltasse e comecei a descer o morro, que nos trechos mais íngremes têm escadas de metal para facilitar o acesso. A primeira escada exigia um pouco de atenção pois os degraus são bem pequenos, já a segunda era como a escada de uma casa e fui tranquilo, só que escorreguei assim que dei o primeiro passo e só fui parar no fim dela, uns 5 metros abaixo. Ainda sem entender o que havia acontecido, levantei, chequei se os ossos estavam todos no lugar e xinguei a escada. Olhando de baixo é que pude ver que os degraus não estão paralelos ao chão, a base da escada deve ter cedido com o tempo e os degraus ficaram inclinados para baixo, virando um escorregador.

Há cordas em alguns trechos para ajudar os trilheiros
Chegando à praia havia um pouco de vento, mas nada que incomodasse para caminhar, problema é que o barulho das ondas impedia que eu ouvisse a respiração dos mamíferos marinhos, então nesse dia encontrei só alguns golfinhos, além dos sempre presentes pássaros e, na maré baixa, as anêmonas e algas.
Novamente andei mais rápido do que imaginei e cheguei cedo para atravessar o rio, dessa vez o Nodales, que é mais raso e, na maré baixa, pude passar com água pouco acima dos joelhos. Ao menos dos joelhos de quem tem 1,84 m, na dúvida mande primeiro o mais alto do seu grupo.

Enquanto esperava a maré baixar, fiquei fotografando os albatrozes que estavam descansando na beira do mar

A cada movimento mais brusco eles fugiam, mas voltavam em menos de um minuto

Um belo entardecer no terceiro dia

Pôr do sol no acampamento do terceiro dia
Assim como o primeiro dia, o último não teve avistamento de fauna que chamasse atenção, então andei sem pausas até o carro, já que mesmo tendo ouvido diversas vezes que é seguro deixá-lo no fim da estrada, eu queria ter certeza que ele estava no mesmo lugar e sem nenhum dano. Além disso, também queria chegar logo no quarto aquecido, tomar um banho quente e dormir em uma grande e confortável cama.
Acho bom dizer que esse trekking é melhor feito em 5 dias, em 4 dias fica um pouco corrido pois são 80 km e o esforço para andar na praia ou sobre pedras soltas é diferente do esforço feito em trilhas de terra firme.
Como o objetivo da minha viagem é descobrir quais são os trekkings mais bonitos da Patagônia, agora posso dizer que minha impressão ao ver as fotos dos outros trilheiros estava certa: é uma caminhada bonita, mas não pode competir com as trilhas nas montanhas dos andes patagônicos. Caso você vá para Punta Arenas e tenha uns dias sobrando, faça a trilha que irá se divertir, ao menos eu gostei, só não recomendo que saia do Brasil tendo como objetivo único fazer essa caminhada, existem outros lugares mais interessantes.
17/11/2019 - Parque Pinguino Rey (Chile)
Como você já sabe, meu objetivo era conhecer e fotografar os trekkings mais bonitos da região, mas não dá pra passar pela Terra do Fogo sem visitar sua colônia de pinguins-rei, a segunda maior espécie de pinguim, perdendo apenas para o pinguim-imperador, que vive apenas na região antártica.
O pinguim-rei chega a 95 cm de altura e 15 kg e, no Parque Pinguino Rey, a colônia tem algumas dezenas de machos, fêmeas e filhotes, variando a quantidade de acordo com a época do ano. Eu estive lá no começo de novembro e contei mais de cinquenta adultos e dois filhotes, que podem ser observados pelo tempo que o visitante quiser, mas de áreas estabelecidas para que as pessoas não os incomodem e, com isso, eles acabem procurando outro local para sua colônia.
Se tiver a chance de visitar esse parque, não perca, vi algumas pessoas falando que não iriam porque já haviam visto pinguins em outros locais, mas que o pinguim-de-Magalhães não se ofenda, o pinguim-rei é muito mais bonito.
Para ter mais informações, acesse a página do Parque: https://pinguinorey.com/descubre-al-pinguino-rey/

Vista geral da colônia

Vista geral da colônia

Alguns pinguins dormem deitados, mas a maioria apenas deixa a cabeça caída para um dos lados enquanto dorme

Casal feliz fazendo mais pinguins

Os dois filhotes dessa colônia

Apesar dos pontos de observação não serem muito próximos à colônia, com uma lente zoom é possível fotografá-los bem e há lunetas à disposição dos turistas, mas se você tem binóculos, leve pois será útil

Mais um pinguim se juntando ao grupo
18 a 29/11/2019 - Sierra Valdivieso e Ushuaia (Argentina)
‘O QUE É QUE EU TÔ FAZENDO AQUI?’ Esse foi o pensamento recorrente que tive durante a travessia da montanha que fica entre a Laguna Esmeralda e o circuito da Sierra Valdivieso. Na verdade eu sabia o que estava fazendo lá, a ideia era ótima, o momento é que não foi bom, mas vamos ao começo disso tudo para que possam me julgar tendo mais informações.
Antes da viagem, quando eu pesquisava quais os trekkings mais bonitos da Patagônia, o circuito da Sierra Valdivieso aparecia em algumas listas, mas não aparecia em outras, então resolvi que iria fazê-lo para tirar essa dúvida. Dando uma olhada no mapa, vi que a Laguna Esmeralda, um dos pontos mais famosos de Ushuaia, fica em um vale paralelo ao primeiro dia do circuito e, no topo da montanha que divide esses vales, há uma geleira chamada Glaciar Ojo del Albino, então alterei o primeiro dia do circuito tradicional e passei pela Laguna Esmeralda, na tentativa de conectar as duas trilhas, criando um circuito mais longo e bonito.

Laguna Esmeralda e, ao fundo, a subida para o Glaciar Ojo del Albino
O caminho até a Laguna Esmeralda está muito bem marcado e, como saí cedo, fui o primeiro a chegar. Mesmo tendo a laguna toda para mim, fiquei só o tempo necessário para fazer as fotos e comecei a subida para a geleira. A inclinação aumentava à medida que eu subia e, em alguns trechos, não havia proteção em caso de um escorregão, então cada passo na neve era bem testado e, de vez em quando, eu pensava se deveria seguir em frente ou voltar, para fazer de novo quando não houvesse tanta neve e gelo. Como descer por aquele mesmo caminho não me agradava em nada, achei melhor ir até o cume para ver o que me esperava do outro lado, pensando que poderia ser mais fácil descer por ali. É tão bom enganar a si mesmo, não é?

Apesar de já ser a segunda quinzena de novembro, o lago do Glaciar Ojo del Albino ainda estava congelado e a neve cobria quase toda a geleira
Para meu alívio, havia bem menos neve do outro lado e, para evitar os trechos mais escorregadios, fui por dentro das canaletas que a água de degelo cavou nas rochas, tendo mais degraus e apoios, já que não me sentia seguro pisando nas pedras pois muitas vezes elas se desprendiam da montanha.

Não sei se o caminho que fiz é o mais seguro, mas foi o que me pareceu melhor no momento
Ao final, sem dúvida valeu ter feito esse acréscimo no circuito, deixando o primeiro dia de trilha muito mais bonito que se fosse pelo caminho tradicional, que não tem atrativos e obriga o trilheiro a andar por quilômetros em um turbal irritante.

Parece um bom lugar pra caminhar, mas um turbal é como uma esponja, fazendo com que os pés afundem e fiquem constantemente molhados

Aqui as botas estão pouco afundadas, já que estou parado e com os dois pés no chão, mas ao andar é bem comum afundar até a panturrilha
Não é necessário ser escalador para fazer esse trecho, mas se você é do tipo que tropeça na própria sombra ou tem medo de áreas expostas, recomendo que faça o circuito tradicional.

Cara de felicidade de quem chegou no vale com todos os ossos inteiros
Andei só mais alguns quilômetros até que encontrei um bom lugar para acampar e fiquei por ali mesmo, deixando a travessia do Paso Beban para o segundo dia.

Paso Beban visto do Glaciar Ojo del Albino
Depois da travessia do dia anterior, mesmo com bastante neve no Paso Beban, atravessá-lo foi como um passeio no Central Park, e durante a descida encontrei as primeiras represas feitas por castores, que apesar de bonitas causam um impacto enorme nesse frágil ecossistema.

Eles são bonitinhos, mas estão no lugar errado, pois como não têm predadores na Terra do Fogo, estão se multiplicando demais e dizimando enormes áreas de floresta

Uma das muitas castoreiras da Terra do Fogo
Depois do Paso Beban, a próxima travessia é a do Paso Mariposa, mas minha intenção era de fotografar a Laguna Azul, quase na metade da subida desse paso e, supostamente, o trecho mais bonito do circuito. Imagine o tamanho da minha decepção quando cheguei nela e encontrei tudo congelado, um enorme tapete branco em vez de lagunas coloridas.

Laguna Azul congelada
Enfim, já sabendo que eu teria que voltar depois que as lagunas descongelassem, resolvi dormir na beira da laguna e seguir no dia seguinte para o Lago Fagnano, conhecendo um novo caminho para poder comparar com o circuito tradicional. Só me esqueci de combinar com a Patagônia, que não concordou com meu plano e mandou ventos que me expulsaram dali, então decidi ir para o Lago Fagnano no mesmo dia, aproveitando que nessa época escurece muito tarde e teria que caminhar só mais 10 km.

Lago Fagnano visto da descida da Laguna Azul
É, são só mais 10 km, mas logo percebi que a trilha estava fechada por árvores caídas, então quase todo o trecho foi feito varando mato ou andando pelo charco. Enquanto andava, pensava que talvez chegasse no lago e não tivesse onde montar a barraca, já que ele não tem muitas praias. Será que teria esse azar?

Sim, tive esse azar, veja a falésia na margem do Lago Fagnano
Ao ver que não poderia acampar ali, resolvi seguir no sentido oposto ao que eu iria no dia seguinte porque naquela direção parecia haver uma praia.

Mais 2 km e, finalmente, eu tinha um lugar plano e bonito para passar a noite
O terceiro dia começou por uma trilha bem marcada até a Bahia Torito e, de lá, peguei outra trilha até a subida do vale que me levaria novamente ao circuito tradicional, só que mais vez o caminho estava bloqueado por árvores caídas, então varei mato por alguns quilômetros até chegar na primeira das Lagunas Mariposa, caminhando sempre sob chuva, o que me impediu de fotografar belas cachoeiras.

Primeira Laguna Mariposa e, ao fundo, o Lago Fagnano
Quando cheguei no alto do Paso Valdivieso a chuva parou e resolvi dormir na beira da Laguna Mariposa que fica no alto do paso, na esperança de haver uma melhora no dia seguinte. Para minha sorte a melhora veio logo depois e consegui fotografar essa laguna, mas essa foto irá apenas para o livro, não para a internet, me desculpem.
No dia seguinte não dei sorte e o tempo amanheceu fechado, com nuvens cobrindo as montanhas, então decidi ir direto para Ushuaia. O caminho muitas vezes estava mal marcado ou a trilha se perdia entre árvores caídas, mas ainda estava bem mais fácil de andar que o caminho para o Lago Fagnano, mesmo porque sempre havia a opção de ir pro turbal se eu me cansasse de varar mato.

A trilha perto da estrada está mais bem cuidada porque muita gente faz trilhas de um dia para os lagos e cachoeiras da região
Se você chegou até aqui, já percebeu que esses dias não foram muito produtivos, exceto por confirmar que é muito mais bonito começar o circuito da Sierra Valdivieso pela Laguna Esmeralda. Sobre Ushuaia não postei nada porque durante a semana em que fiquei na cidade apenas editei fotos, só um dia que saí pra passear e fiz a trilha pro Glaciar Vinciguerra.
30/11/2019 a 07/12/2019 - Dientes de Navarino e Puerto Williams (Chile)

Praça principal de Puerto Williams
Dientes de Navarino, no Chile, é famoso por ser o circuito de trekking mais austral do mundo, mas esse é o menor motivo para visitar a ilha Navarino. As belas montanhas e lagos ao longo dessa trilha é que valem a cara viagem até Puerto Williams, cidade base para uma caminhada que normalmente é feita em 4 ou 5 dias, mas que para um trilheiro bem treinado, pode ser feita sem correria em 3 dias, já que são só 54 km.

Não sei se é ele o rei de Puerto Williams, mas tem pose pra isso
Apesar de terem me falado que os lagos ainda estavam congelados, resolvi fazer a trilha mesmo assim e, depois de umas semanas, faria de novo para fotografar com os lagos descongelados. O primeiro trecho, entre a cidade e a Laguna del Salto, foi tranquilo pois tem uma longa subida no início, mas que não é íngreme. Já perto da Laguna haviam alguns trechos com grande inclinação lateral, em que um escorregão na neve ou na terra fofa poderia causar um acidente, e fiquei pensando como seria o dia seguinte, já que o primeiro dia é considerado o mais tranquilo.

Puerto Williams vista da subida para o Cerro Bandera
Dia bonito, com sol entre nuvens, e ao chegar na Laguna del Salto confirmei o que haviam me dito: ela estava coberta por uma fina camada de gelo. Não nego que eu tinha esperança que os dias de sol já teriam derretido tudo, mas ao menos não me decepcionei pois era isso que eu esperava.

Laguna del Salto

A tímida cachoeira que dá nome ao lago. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
O segundo dia começou lindo, com muito sol e logo comecei a andar, atravessando o Paso Australia com um céu azul que há tempos eu não via na Patagônia. Chegando do outro lado da montanha encontrei a Laguna del Paso parcialmente descongelada, o que foi uma ótima surpresa.

Laguna del Paso começando a descongelar
No início da tarde o tempo fechou e não consegui fotografar da Laguna del Paso em diante, então fui direto para a Laguna Escondida e montei a barraca em uma linda península, bem exposta aos ventos, mas resolvi arriscar. Para minha alegria, a Laguna estava quase totalmente descongelada.
Achei curioso por dizerem que o segundo dia é que faz as pessoas desistirem, achei esse trecho bem mais tranquilo que o do dia anterior.

Barraca na Laguna Escondida
Pouco depois chegaram 3 americanos, conversamos um pouco sobre política, meio ambiente e fui dormir, mas no meio da noite tive que mudar a barraca pois o vento ficou bem forte e, se piorasse mais um pouco, ela seria arrancada ou teria as varetas quebradas. Assim como na Sierra Valdivieso, perdi a aposta para a Patagônia!
Na manhã seguinte conversei mais um pouco com os americanos, que estavam em um casal, Mary e Manesh, e um homem sozinho, o Mustafá, que muito gentilmente me deu dois hand warmers (uma bolsinha que é colocada dentro da luva para esquentar as mãos). A princípio eu recusei, já que não precisava, mas ele insistiu e disse que tinha um monte, então aceitei. Como o dia não estava bom para fotografar, resolvi voltar um pouco e pegar a trilha para o Lago Windhond, que não me atraía muito, mas já que não posso fazer meu trabalho, seria legal fazer uma trilha só por diversão, sem ter que pensar nas fotos.
Quando cheguei no cume do Cerro Bettinelli e começaria a descida até o lago, não senti vontade alguma de continuar. O tempo estava feio, o lago não parecia atrativo e, pior, o caminho de volta para Puerto Williams seria por um vale sem belas vistas e com muitos charcos. Mudei de ideia mais uma vez e comecei o caminho de volta para Laguna Escondida, aproveitando a liberdade de estar sozinho e poder mudar de planos quantas vezes eu quiser. Para quem está fazendo o circuito Dientes de Navarino, recomendo fazer um bate-volta até o cume do Cerro Bettinelli, tendo assim uma bela visão tanto do mar como das montanhas.
Voltar para a Laguna Escondida foi uma ótima decisão pois o tempo abriu e pude fazer boas fotos das Lagunas del Picacho, Laguna de los Dientes e, principalmente, da Laguna Escondida, que estava lindíssima e foi, sem dúvida, meu ponto preferido desse circuito. Abaixo estão algumas fotos, mas as que mais gostei estão reservadas apenas para o livro.

Castor na Laguna del Picacho

Laguna de los Dientes

Laguna Escondida
A segunda noite na Laguna Escondida foi sob chuva fraca e ventos, mas ao acordar vi que não era chuva, era neve, muita neve! Enfim, nem pensar em caminhar hoje e, como eu tinha comida para dois dias a mais, não tive nem mesmo que racionar as refeições. Só fiquei pensando nos 3 americanos que, naquele dia, cruzariam o Paso Virginia, última montanha do circuito e que pode ser difícil de atravessar quando há uma tempestade de neve, deixando tudo completamente branco e não sendo possível diferenciar o que é chão do que é ar. Dia todo na barraca lendo no Kindle e vendo filmes baixados da Netflix, como é fácil matar o tempo hoje em dia, alguns anos atrás eu teria que passar o dia todo olhando o teto da barraca ou carregar pesados livros em papel.

No sul da Patagônia a neve pode vir em qualquer época, mesmo em janeiro ou fevereiro. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Dia seguinte amanheceu nublado e apenas garoava de vez em quando, então resolvi seguir em frente. Como saí de madrugada, às 09:00 eu já estava no próximo ponto de camping e fui para o seguinte, que alcancei ao meio-dia. Então me deu vontade de fazer os 3 trechos no mesmo dia e segui direto para Puerto Williams, caminhada um pouco longa mas nada que assuste.

Pausa para um lanche protegido da chuva
Ao chegar no cume do Paso Virginia, comecei a andar pela neve e percebi que ela não estava firme sobre as pedras, abaixo haviam grandes buracos, então voltei com cuidado mas, pouco depois, afundei uma perna em um buraco e só não fui mias pois me segurei com os braços. Me levantei e segui com muito cuidado para a área sem neve, mas pouco antes de chegar nas pedras encontrei uma barraca, fogareiro, uma blusa de lã e outros equipamentos. “Como essas coisas vieram parar aqui?”, pensei. A barraca estava novinha e parecia ser do casal de americanos, assim como a garrafa rosa e a blusa deveriam ser da Mary. Procurei se havia nome gravado em algum equipamento, mas não encontrei, então recolhi tudo e levei para o trecho sem neve, colocando pedras em cima pra que não voassem. Pensei em levar para cidade mas, caso tivesse ocorrido algum acidente, seria melhor deixar as coisas ali para ser mais fácil de entender o que ocorreu.

Equipamentos encontrados no cume do Paso Virginia
Comecei a descida e, pouco depois, vi um grande buraco na neve com uma bolsa impermeável do lado de fora, então imaginei que o buraco poderia ter sido feito pela queda de alguma pessoa e que ela jogou para fora a bolsa estanque para sinalizar sua localização. Por outro lado, eram 3 os americanos, se alguém se acidentou haviam outras pessoas para ajudar ou chamar socorro.

Buraco e saco impermeável
Segui a caminhada, mas não conseguia parar de pensar que algo deu errado com eles, então quando cheguei na Laguna los Guanacos, em vez de seguir pela trilha certa, peguei o antigo caminho, que está mal marcado mas que é mais curto. Por sorte, ao chegar na estrada o primeiro carro que passou já me deu carona, evitando uma caminhada de 7 km pelo asfalto. Assim que entrei no carro e contei que havia feito o circuito, me falaram que um americano estava desaparecido e, involuntariamente, ensinei para eles alguns palavrões em português. Pedi pra me deixarem nos Carabineros, mostrei para os policiais as fotos dos equipamentos e a localização e me ofereci para ir no dia seguinte mostrar o ponto exato, já que estava escurecendo e eu não tinha condição de subir o Paso Virginia.

Laguna los Guanacos e Canal de Beagle vistos da descida do Paso Virginia

Paso Virginia visto da Laguna los Guanacos
A Mary havia ido embora da ilha, mas o Manesh, seu namorado, estava hospedado nos Carabineros e me contou que, no dia da tempestade de neve, o Mustafá estava andando pela neve e caiu em um grande buraco. Como não era possível subir, ele continuou na direção que estavam andando anteriormente, enquanto que o casal, com medo de também cair, se enrolou na barraca e chamou ajuda pelo rastreador via satélite Garmin inReach. A equipe da Garmin nos EUA entrou em contato com os Carabineros e, em algumas horas, os socorristas chegaram ao cume do Paso Virginia, levando o casal para baixo. Como não conseguiram ver nem ouvir nada do Mustafá, dormiram na cidade para continuarem a busca no dia seguinte.
Eu não entendi muito bem como o Mustafá conseguiu andar em um buraco e imaginei que ele havia caído em uma greta, já que, naquele trecho, eu também havia afundado uma perna até a virilha e, ao me levantar, vi que havia um buraco com mais de 2 metros de profundidade e alguns metros de largura. Na minha cabeça o Mustafá caiu em um lugar igual e, como não pôde subir, continuou andando até cair no trecho seguinte, abrindo o buraco na neve que eu fotografei na descida do Paso. A única certeza que eu tinha é que eu estava com os hand warmers e ele estava na neve, quantas vezes será que ele se arrependeu de ter me dado isso?
Deixei meu contato com os Carabineros e com o Manesh e fui, finalmente, tomar banho, comer e descansar para poder subir no dia seguinte com a equipe de resgate. Só que umas horas depois um policial me escreveu dizendo que o desaparecido havia chegado por conta própria na cidade! Feliz por não ter que voltar para trilha no dia seguinte e aliviado pelo Mustafá estar bem, dormi tranquilo e encontrei os americanos no dia seguinte enquanto esperávamos o barco que liga a ilha Navarino à Ushuaia.
Tudo fez mais sentido quando o Mustafá disse que, na verdade, não caiu em um buraco ou greta, ele caiu da beira do Paso Virginia, mas como estava tudo completamente branco, para a Mary e o Manesh a impressão é que ele estava em um buraco. Sendo impossível subir, andou até chegar no trecho de terra e desceu até o bosque, onde colocou a barraca e passou a noite. No dia seguinte continuou descendo, sem saber onde estava a trilha, já que quem tinha GPS era apenas o Manesh, mas no fim do dia chegou na estrada, seguiu até a cidade e, claro, deu entrevistas para os jornais locais, já que ele era o assunto da ilha.
Para mim, essa história serviu pra reforçar a importância de ter um comunicador via satélite, especialmente um que permita enviar mensagens de texto, não apenas um pedido de socorro que não explica o que está acontecendo. Eu sei que, para um brasileiro, não é um equipamento barato porque nossa moeda não vale muito, mas enquanto um casal foi resgatado poucas horas depois de ter pedido ajuda, a pessoa que não tinha o rastreador passou a noite na montanha e só não teve maiores problemas porque, por exemplo, não quebrou a perna com a queda, já que se tivesse que passar a noite em meio à tempestade de neve, talvez não tivesse sobrevivido. Também costumo levar um pouco mais de comida do que é necessário, justamente para o caso de uma emergência me impedir de retornar no tempo previsto ou para poder ficar acampado esperando o tempo melhorar. Sim, ter mais peso nas costas não é agradável, mas ter a liberdade de chegar um ou dois dias depois do planejado vale esse esforço, a vida é boa demais para arriscar por conta de um quilo a mais nas costas e uns reais a menos na conta.
08 a 14/12/2019 - Sierra Valdivieso e Ushuaia pela segunda vez
Depois de algumas semanas, imaginei que as lagunas da Sierra Valdivieso já estivessem descongeladas e fui novamente fazer esse circuito, dessa vez percorrendo o roteiro mais comum, apenas acrescentando um bate-volta para algumas cachoeiras próximas às Lagunas Mariposa.

Uma das cachoeiras que estão fora do circuito tradicional. Elas são bonitas, mas acho que só vale a pena visitá-las se houver um bom tempo livre, já que não são imperdíveis.
Ao voltar da Ilha Navarino, fiquei 3 dias em Ushuaia esperando uma pequena janela de bom tempo, o que deveria acontecer no dia 12/12/2019. Como me faltavam fotos apenas do Paso Mariposa e Laguna Azul, saí um dia antes de quando a previsão prometia sol e comecei pelo sentido contrário, assim poderia checar as cachoeiras ainda no primeiro dia. Eu já conhecia todo esse trecho e boa parte dele é feito andando no turbal ou em trilhas mal marcadas pela mata, com trechos de vara-mato, então mais que um treino para as pernas, foi um treino para a paciência.

Lagunas Mariposa e Lago Fagnano ao fundo.
No fim do dia, quando cheguei ao lago com a cachoeira, procurei um lugar para a barraca, mas o terreno era muito úmido, então resolvi voltar alguns quilômetros em busca de um acampamento melhor, o que consegui já bem próximo da subida para o Paso Mariposa.

Finalmente um bom lugar pra barraca
O pôr do sol não foi bonito e fui dormir logo depois, acordando à uma da madrugada para tentar fotografar as estrelas. Ao contrário do que dizia a previsão, nessa hora começou a chover e não parou até às 10:00, quando decidi que subiria o Paso mesmo com tempo nublado, na esperança de que as nuvens sairiam do caminho até que eu chegasse no ponto mais alto.
Felizmente minha aposta deu certo e, aos poucos, o céu começou a ficar limpo, então pude fotografar a partir do Paso Mariposa depois de apenas meia hora de espera, para que houvesse visibilidade suficiente até as lagoas. Em seguida, desci apressado até a Laguna Azul, o ponto mais famoso desse circuito, na esperança de conseguir as fotos que me faltavam e, dessa vez, eu estava no lugar certo no momento certo. Fotos feitas, caminhei até o início da subida para o Paso Beban, indo dormir feliz por ter o material necessário sobre esse circuito.

As fotos mais bonitas estão guardadas, essa eu postei apenas pra que vejam que linda cor tem a Laguna Azul
Como já havia feito as fotos necessárias e o terceiro dia amanheceu novamente bem feio, segui direto até a estrada. Na parte da manhã tive vistas interessantes, mas depois a caminhada se tornou um tanto quanto monótona, passando por turbais, travessias de rios e caminhos usados por quadriciclos.

Lindo dia para fotografar, não é? Enfim, quem se aventura pela Terra do Fogo precisa ter consciência que dias de sol não são o padrão por aqui.
Ao chegar na estrada, logo depois que comecei a andar na direção da cidade em busca de sinal de celular para chamar um taxi, o dedo funcionou melhor que a telefonia e consegui carona até Ushuaia, precisando caminhar apenas até as Cabañas del Martial, local em que deixei meu carro e equipamentos.

Estrago feito pelos simpáticos mas destrutivos castores.
15 e 16/12/2019 - Parque Nacional Monte León (Argentina)

Flores no norte da Tierra del Fuego
Trabalho terminado na Tierra del Fuego, peguei a estrada rumo a El Chaltén. No primeiro dia fui até Rio Gallegos, na Argentina, e dei uma volta pelo seu centro e avenida costeira em busca de algo interessante, mas como não encontrei, fui dormir cedo.

Balsa que liga a Tierra del Fuego ao continente.
No segundo dia de estrada fui até o Parque Nacional Monte León, que se vende como um local para observação de pinguins, lobos marinhos e aves. A paisagem é bonita, com o mar bravo se lançando contra as falésias e praias, mas os animais ficam bastante distantes dos mirantes, então a observação se torna um pouco monótona.

Mirante no Monte León: os lobos marinhos estão em terra, mais ou menos no centro da foto

Com zoom fica mais fácil de mostrá-los, mas ainda assim estão muito distantes

Ilha Monte León, local de onde foram retiradas toneladas de guano na época anterior à invenção dos fertilizantes artificiais. Esses milhares de pontinhos espalhados pela ilha são pássaros.

Outra vez que o zoom da câmera teve bastante utilidade, assim dá para ver a quantidade de pássaros, principalmente atobás.

É proibido descer nessa praia para não incomodar os pinguins e lobos marinhos.

Nessa praia é permitido andar, desde que a maré esteja baixa.
Acabei ficando pouco no parque, o que se tornou uma boa notícia, pois logo que entrei em uma área com sinal de celular, recebi a mensagem de que teria hospedagem gratuita novamente nas Hosterías Fitz Roy, Vertical Lodge e El Paraiso, em El Chaltén. Se eu quisesse, a partir daquela noite mesmo, então fui direto para El Chaltén e dar sequência às fotos do projeto.
17/12/2019 a 04/01/2020 - El Chaltén (Argentina) pela terceira vez
Essa foi minha terceira ida para El Chaltén na mesma viagem. A primeira parada, no fim de outubro, foi boa, pois fiz o circuito do Fitz Roy em 3 lindos dias de sol e fotografei os lagos ainda congelados por conta do longo inverno. Isso depois de ter que esperar apenas dois dias para que as nuvens liberassem a vista para as montanhas. A segunda parada foi frustrada por um vidro do carro quebrado durante a noite, não posso dizer se pelo vento ou vandalismo, só sei que precisei deixar a Argentina e ir para o Chile para trocar o vidro, em vez de fazer a Vuelta al Huemul. Agora, dois meses depois, os lagos já estavam descongelados e eu poderia finalmente refazer o Circuito Fitz Roy e a Vuelta al Huemul, só precisava combinar com o clima, que estava ainda mais instável que o normal.
Logo ao chegar na cidade, minha primeira parada foi no Centro de Informações da APN, o órgão que controla os Parque Nacionais Argentinos, e a conversa com o guarda-parque foi assim:
-Queria saber como está a previsão, já que vou fazer os dois circuitos do Parque.
-Quanto tempo você tem livre?
-O quanto for preciso, pela sua pergunta a previsão está ruim, certo?
-Por pelo menos 10 dias as montanhas estarão encobertas pelas nuvens, com uma ou outra abertura, mas insuficiente para fazer a Vuelta al Huemul. Depois eu não sei porque nossa previsão é de 10 dias.
Já imaginou a minha frustração ao ouvir isso? Ainda bem que, novamente, eu tinha hospedagem grátis, pois era quase Ano Novo e não sairia barato ficar parado por 10 dias esperando as nuvens irem embora. Gastar dinheiro enquanto estou produzindo é bem diferente de pagar e não poder trabalhar, o que me deixa agoniado e ansioso.
Depois de 3 dias na Hostería Fitz Roy apenas editando fotos, a previsão disse que haveria um dia com céu limpo. Apenas um dia, então me planejei para sair às 3 da manhã, pegar o nascer do sol no caminho para o Fitz Roy, subir até a Laguna de los Tres, descer até a Laguna Sucia, ir no mirante do Glaciar Piedras Blancas e também na Laguna Capri. Ufa… Plano ambicioso, com 34 km de caminhada, mas seria o modo de fazer as fotos que me faltavam desse circuito, já que da Laguna e Cerro Torre eu tinha todas as fotos que queria.
Para resumir um longo dia em uma pequena frase: deu tudo certo! Cheguei no começo da noite na pousada e pude passar os dias seguintes dando descanso aos joelhos, que ficaram bem doloridos. O que causou as fortes dores eu não acho que foi a distância e nem a elevação, já que por várias vezes nessa viagem eu andei mais que 30 km em um dia. Normalmente é até pior, pois carrego a mochila cargueira com 20 kg, sendo que nesse dia eu levava pouco peso. O meu estilo de andar é lento e fazendo paradas rápidas para fotografar, nunca paro para descansar nem para comer. Deixo à mão as comidas que posso comer enquanto ando, assim não perco tempo e os joelhos não esfriam, mas nesse dia eu tive que andar bem rápido e ficar parado por períodos longos, esperando a luz que eu queria, então imagino que esse tenha sido o motivo das dores.

Laguna de los Tres finalmente descongelada

Laguna Sucia, que de suja não tem nada
Nove dias depois, outra previsão de bom tempo, mas para apenas um dia. De qualquer forma, eu já estava mofando e resolvi que tentaria fazer a Vuelta al Huemul. Esse é um circuito de 4 dias que deixa o trilheiro de frente para o Glaciar Viedma, mas que tem trechos no segundo e terceiro dias que não devem ser feitos com tempo ruim, tanto pelo perigo como porque não haveria vista para o Campo de Gelo Continental, então qual o motivo de estar lá?
O primeiro dia de trilha foi lindo, com bastante sol e algumas nuvens escondendo o cume do Cerro Huemul, mas nada que meia hora de espera não resolvesse até ter uma boa visão, fotografá-lo e seguir em frente até o acampamento da Laguna Toro. Depois de uma tarde agradável lendo sob o sol, fui dormir cedo, torcendo para que a previsão estivesse errada e o dia seguinte não amanhecesse com nuvens baixas. Sabe aquela previsão do tempo que vive errando quando você planeja passar o fim de semana na praia? Pois bem, aqui na Patagônia ela está quase sempre certa: o dia amanheceu sem vista alguma para as montanhas e resolvi voltar para a cidade. Valeu a tentativa, ao menos passou o tédio de ficar 9 dias sem trilhar.

Aproveitando o sol e uma das grandes invenções da humanidade, o livro digital
Outros seis dias editando fotos em El Chaltén até que aparecesse uma previsão boa. Ainda bem que nesse tempo conheci alguns paranaenses e tive alguém para conversar em português, e no dia 29 de dezembro fui novamente para o Huemul.
Não saí cedo pois já tinha as fotos que precisava e o clima não prometia ajudar no primeiro dia, mas foi melhor do que o previsto. Outra vez dormi cedo para poder madrugar, e qual foi minha alegria ao ver o nascer do sol quase sem nuvens, enquanto fotografava uma raposa sonolenta, que deve ter passado a noite procurando por comida deixada fora de alguma barraca.

A raposa não ficou muito feliz por ter sido acordada
Logo no início da trilha é preciso atravessar um rio, o que pode ser feito em um trecho em que ele é pouco profundo, ou em um pequeno cânion, onde há uma tirolesa. Não me incomodo de colocar os pés na água fria, mas já que eu estava carregando cadeirinha e mosquetões, resolvi usá-los. Quando atravessei, conheci o Thibaud, um francês que havia atravessado há pouco e logo em seguida veio um casal de ingleses, que acabei conhecendo também, mas saí andando sozinho, como prefiro.

Barney na primeira tirolesa da Vuelta al Huemul
A trilha segue por uma encosta de pedras soltas, desde pequenas pedras a grandes blocos de rocha que, ao pisarmos, deslizam e levam junto as pedras que estão abaixo e acima da pessoa. Tem gente que prefere andar na beira da geleira que está abaixo dessa encosta, mas eu quis ir um pouco mais pelo alto para poder fotografar melhor o Glaciar Rio Tunel. Trecho chato de andar e com boas chances de ter uma perna quebrada se não tomar cuidado com os deslizamentos causados por nossos próprios passos, mas ao chegar no alto do Paso del Viento, a vista impactante do Campo de Gelo Continental Sul foi de arrepiar! Meus amigos chilenos que me desculpem, porém essa vista foi ainda mais impressionante que a do Paso John Gardner, em Torres del Paine.

Glaciar Viedma, parte do Campo de Gelo Continental Sul
Fiquei um bom tempo por ali, conversando com o Thibaud e o José, um argentino que estava fazendo um bate-volta até o Paso e, claro, fotografando e admirando a paisagem, que infelizmente não transmite o mesmo impacto nas fotos porque não dá pra passar a dimensão da geleira. Momento de contemplação terminado, saí junto com o Thibaud rumo à Laguna del Refugio. Infelizmente, apesar da trilha seguir paralela à geleira, não há vista pois a trilha anda por um vale. Como fomos os primeiros a chegar no acampamento, pudemos escolher os melhores lugares para as barracas e nadar um pouco em sua água gelada, tirando a sujeira dos dois primeiros dias de caminhada.

Não vou dizer que é fácil entrar em um lago de degelo, mas sem dúvida é revigorante
O terceiro dia de caminhada segue paralelo à geleira, mas à medida que se ganha altura para atravessar o Paso Huemul, passa-se a ter vista para o Campo de Gelo. Não sei se porque hoje o dia estava mais ensolarado, mas achei a vista mais impressionante até mesmo que a do Paso del Viento. Quando cheguei no alto do Paso, fui com o francês até um mirante, por uma caminhada de apenas 40 minutos (só ida) que é imperdível, já que de lá se pode ver o fim do glaciar e o início do lago Viedma. Como as pessoas costumam chegar cansadas e querem descer logo até a praia, mais ninguém foi até o mirante, mas recomendo muito que faça isso, pois se essa não é a vista mais bonita dos quatro dias, está perto de ser.
Então veio a tão famosa descida do Paso Huemul, que todo mundo diz ser muito íngreme e perigosa, que é necessário se segurar nas árvores e pedras para não cair, blá blá blá. Não sei se foi porque já havia ouvido relatos terríveis desse trecho, mas para mim, o que foi pior foram as incontáveis mutucas que ficavam me rodeando. Como eu tinha que usar as mãos para me apoiar nos bastões, de tempos em tempos eu parava para que pousassem e eu pudesse matá-las. Só durante a descida, 17 mutucas descobriram se há vida além da morte, e isso passou a ser uma constante nas trilhas da Patagônia durante o verão, então venha psicologicamente preparado porque não tem repelente que as espante.
O acampamento no Lago Viedma é outro lugar que ninguém esquece, não tanto pela praia em si, que é de pedras, mas pelos inúmeros icebergs, de todos os tamanhos, que chegam até a praia. Por ser um dia de sol e sem vento, entrar na água foi tranquilo até mesmo para um brasileiro que não gosta de água fria, afinal, quando terei outra chance de nadar rodeado de icebergs? Já a Heather, namorada do Barney, o casal que eu conheci na tirolesa, ficou nadando por pelo menos 15 ou 20 minutos, como se estivesse em uma piscina aquecida, impressionante! Sem dúvida foi um bom jeito de terminar o último dia de 2019, já que ninguém ficou acordado para comemorar a virada do ano, estava todo mundo dormindo pesado.

Os braços tensos mostram que novamente não foi fácil entrar na água, mas logo o corpo se acostumou. Foto feita pelo Thibaud.

Essa foto é claro que foi feita para brincar com os amigos que ficam postando fotos pegando sol nas praias brasileiras, mas acreditem, não é tão frio como parece. Foto feita pelo Thibaud.
O primeiro dia de 2020 começou cedo, já que eu queria estar antes do nascer do sol, em uma península com vista para o Glaciar Viedma, pois da praia não se vê a geleira. Outra vez o sol estava lindo, sem nuvens para atrapalhar seu nascer, então fiz minhas fotos e logo comecei o longo e entediante caminho de volta para El Chaltén. Depois de tantas paisagens impressionantes, andar 30 km com poucas vistas bonitas, já com as pernas um pouco cansadas, foi realmente desgastante. Nesse dia há mais uma tirolesa, sobre um rio que eu tentei atravessar a pé, mas desisti no meio, pois é mais fundo e caudaloso do que aparenta e fiquei com medo de molhar os equipamentos de foto.
Assim que cheguei em El Chaltén, um dos paranaenses falou que eu estava com cara de muito cansado, já o outro foi mais direto e disse que eu estava acabado. Amigos, né… No dia seguinte, o administrador do camping falou “acho que te vi ontem na estrada, quase se arrastando pelo acostamento, era você?”. É, acho que eu comecei o ano meio cansado, mas felicíssimo por ter feito as fotos dos dois circuitos.
No dia seguinte fui comemorar a virada do ano e o sucesso da trilha comendo um bom cordero patagonico junto com o Thibaud, Heather e Barney. Eu ainda queria fazer uma trilha bate-volta, que não é parte do projeto mas que dizem ser muito bonita, mas como não tinha previsão de melhora, mesmo depois de 3 dias de espera, resolvi seguir em frente, rumo ao Parque Nacional Patagônia, no Chile.
05 a 07/01/2020 - Sul do Parque Nacional Patagonia (Chile)
Depois de quase três semanas em El Chaltén, peguei a estrada de novo em mais um dia nublado e, às vezes, com chuva.
Ao chegar no Camping Casa de Piedra, dentro do Parque Nacional Patagonia, estacionei o carro e atravessei a ponte de pedestres que leva para a área de camping. Ainda sobre a ponte, vi que havia um grupo de 5 ou 6 pessoas no fim do gramado, do meu lado direito, todas olhando fixamente para o mato, do lado esquerdo. Fui até elas e me falaram que um puma estava indo para a ponte mas, quando me viu, entrou no mato.
Eu já havia perdido a chance de ver um puma alguns meses antes, em Torres del Paine, e agora novamente, que raiva! Enfim, fui montar a barraca mas, enquanto montava, pensei que não poderia desistir assim fácil. Atravessei mais uma vez a ponte e fui para a beira do rio na direção de onde falaram que o puma havia seguido. Depois de uns 20 minutos e nada do puma, voltei para a área de camping e as pessoas continuavam no mesmo local. Fui novamente até elas e disseram “quando você foi para o outro lado do rio ele saiu do mato e está deitado ali”.
Finalmente, um puma! Só que ele estava a uns 50 metros e o sol estava se pondo. Eu não tinha uma lente longa o suficiente para fotografá-lo com essa distância e condição de luz, então resolvi me aproximar usando uma pequena árvore que havia no gramado para caminhar escondido atrás dela. Quando cheguei na árvore, dei alguns passos para a direita, quando o puma levantou a cabeça e ficou me olhando fixamente (foto 1). Quando deitou a cabeça, comecei a me aproximar bem lentamente, mas ele levantou a traseira e ficou na posição que os gatos domésticos fazem quando estão prestes a sair correndo para pegar um brinquedo. Só que não era um gato doméstico e eu não queria virar brinquedo de puma, então fiquei estático até ele deitar novamente (foto 2), quando ficamos nos olhando por uns 20 minutos, separados por 20 ou 25 metros até que, já de noite, ele finalmente atravessou a ponte que eu havia bloqueado e foi caçar seu jantar.

Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.

Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Assim que o puma atravessou a ponte, o guarda-parque apontou para a barraca ao lado de onde o puma passou e me perguntou:
-É sua aquela barraca?
-Sim.
-Você vai acordar com um puma do seu lado.
-Ótimo, está frio, a gente dorme abraçado.
Ele ficou me olhando e imagino que estava pensando algo do tipo “esse cara vai me dar trabalho”.

Minha barraca e o puma entrando na ponte
Nada mais do puma, hora de fazer um jantar qualquer e dormir feliz da vida por finalmente ter visto um puma, sonho realizado!
No dia seguinte, acordei uma hora antes do nascer do sol, arrumei os equipamentos, comi e logo saí para fotografar o trecho sul da travessia Jeinimeni-Avilés. Para facilitar a logística, achei melhor andar só com os equipamentos de foto para caminhar rápido, ir mais longe e voltar para dormir no Camping Casa de Piedra, fazendo o outro trecho da travessia a partir do norte, acampando pelo caminho até encontrar o último ponto que fotografei. Desse modo eu percorreria todo o caminho duas vezes, dobrando a chance de fazer boas fotos, e não me afastaria muito do carro, já que nessa região não há transporte público para eu voltar para buscá-lo. Se eu fizesse a travessia inteira, precisaria pedir carona até uma cidade e, de lá, pegar ônibus e depois mais uma carona.

Ponte sobre o Rio Avilés

Valle Avilés
Deixando a chata logística de lado, o dia estava nublado e essa parte do parque é bonita, mas não tanto quanto as outras trilhas que eu já fiz pela Patagônia. Quando cheguei em um mirante com vista bonita para o Valle Avilés, fotografei e fiquei duas horas esperando o tempo melhorar um pouco para poder fotografar com uma luz mais bonita. A luz não melhorou e voltei por uma trilha do outro lado do rio Avilés quando dei de cara com uma raposa que andava distraída. Ela se assustou tanto quando levantou a cabeça e me viu que deve estar correndo até hoje.

Raposa na trilha. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Mais uma noite no Camping Casa de Piedra e, na madrugada seguinte, como o céu estava com poucas nuvens, resolvi fazer a trilha novamente. A previsão era de chuva para esse dia mas, felizmente, ela estava errada. Bem, nem tão errada, depois de umas duas horas de caminhada, o tempo fechou de vez e começou a garoar, então voltei para o acampamento e, na volta, a chuva foi aumentando. Quando estava quase no fim da trilha, ela diminuiu e rendeu um belo arco-íris.

Valle Avilés. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Ao chegar na Casa de Piedra, empacotei tudo, me despedi do Misael, o guarda-parque gente boa que estava cuidando do camping e dirigi até Cochrane, uma simpática cidadezinha na Carretera Austral.

Cochrane

Cochrane
08 a 10/01/2020 - Villa O'Higgins e Caleta Tortel pela Carretera Austral (Chile)
Em vez de ir para o norte e continuar a fotografar o Parque Patagonia, resolvi aproveitar que estava em uma das estradas mais bonitas do mundo e seguir para o sul, até o fim dela, na Villa O’Higgins. Mas hoje eu parei para dormir em Cochrane e, mesmo ficando em um quarto bem simples (bem ruim, na verdade), foi bom demais dormir em uma cama depois de passar 3 semanas na barraca.
Como o dia estava feio, segui direto até a Villa O’Higgins, deixando para visitar a Caleta Tortel na volta. Na verdade, tempo encoberto e um pouco de chuva é o padrão nessa parte da Patagônia, o que ao menos dá um grande volume de água nas diversas e belíssimas cachoeiras que são vistas da estrada, especialmente no último trecho, já próximo de O’Higgins.

Uma das várias cachoeiras na beira da estrada

Outra cachoeira próxima da Villa O’Higgins
São apenas 250 km de Cochrane até Villa O’Higgins, mas o deslocamento é lento, não só porque a estrada é toda de terra, como porque tem muitas curvas, é estreita e as paisagens estão sempre roubando a atenção e fazendo com que seja necessário parar para uma foto. No meu caso, parei também para trocar novamente um pneu furado e, ao chegar na vila, ainda perdi um tempo esperando o borracheiro reaparecer, já que ninguém sabia onde ele havia ido.
A vila é bem pequena e bonita, mas os preços de hospedagens são mais altos que nas outras vilas por onde passei no sul do Chile. Como eu só ficaria uma noite, não me preocupei em pesquisar muito, mas caso você queria ficar várias noites, dê uma boa olhada antes de ir para não estourar seu orçamento.

Villa O’Higgins

Villa O’Higgins
Existem algumas trilhas de um dia para fazer, saindo da vila, mas como isso não faz parte do projeto do livro e eu estava lá apenas para conhecer a Carretera Austral, deixei de lado as trilhas e passeios de barco e fui curtir, mais uma vez, uma noite bem dormida em uma cama quentinha.
Parti cedo, como sempre, e fui para a Caleta Tortel, uma vila construída sobre palafitas e com 6 km de passarelas interligando as construções. Por ser um povoado com estilo único em todo o Chile, é um dos grandes atrativos da Carretera Austral.

Caleta Tortel

Caleta Tortel
Dormi novamente em Cochrane e, agora, com mais tempo para procurar hospedagem, achei uma melhor e mais barata que a de dois dias antes.
Com a previsão do tempo melhorando, chegou a hora de voltar a trabalhar e fui, no dia 10 de janeiro, para Chile Chico, a cidade mais próxima da entrada norte do Parque Nacional Patagonia. Sei que estou sendo repetitivo ao falar que a estrada é linda mas, novamente, tive que parar diversas vezes para fotografar e, se eu não tivesse pressa pra voltar para as travessias e aproveitar a janela de bom tempo, teria acampado às margens do Rio Baker.

Rio Baker e a Carretera Austral
Chile Chico é uma cidade com menos de 5 mil habitantes, mas com boa estrutura turística. Ela fica às margens do segundo maior lago da América do Sul, perdendo apenas para o Titicaca. Esse lago, no lado chileno, se chama General Carrera e, no lado argentino, se chama Buenos Aires.

Estrada que liga a Carretera Austral a Chile Chico

Lago General Carrera
Depois de dirigir pela margem do lago e dar uma caminhada pela cidade, fui dormir com a barriga forrada por uma boa pizza e ansioso para recomeçar a fazer as fotos do livro.

Chile Chico, cidade mais próxima da entrada norte do Parque Nacional Patagonia

Com área de 1.850 km² e as ondas criadas pelos fortes ventos da região, o lago mais se parece com o mar
11 a 14/01/2020 - Norte do Parque Nacional Patagonia (Chile)
Não existe transporte público para chegar na entrada norte do Parque Nacional Patagonia, que antes se chamava Reserva Nacional Jeinimeni, então deixei os equipamentos que não usaria na travessia na pousada em Chile Chico, para não me preocupar em ter o carro arrombado. A longa estrada de terra já dá uma amostra do que vem pela frente, com paisagens lindas e pouca presença humana, já que esse parque foi criado há pouco tempo e ainda não é muito famoso.

Estrada que liga Chile Chico ao Parque Nacional Patagonia
Eu só precisava de um dia e meio para fazer as fotos que faltam dessa travessia e, conversando com o guarda-parque, ele disse “amanhã o tempo vai estar bom, mas depois de amanhã, não”. Eu havia visto que seriam dois dias bons mas, na dúvida, resolvi começar a trilha no mesmo dia para já estar na região mais bonita quando o céu estivesse limpo. Outra dica que ele me deu foi “se você entrar no Valle de los Glaciares, fique de olho aberto porque pode encontrar huemules”. O huemul é o cervo da Patagônia, mas eu não levei muito a sério o que ele disse, é muito raro encontrar esse bicho. De qualquer forma, eu iria mesmo entrar no vale, com ou sem huemules.
A trilha começa rodeando o Lago Jeinimeni e, logo depois, começam as travessias de rios e riachos. Eles quase nunca são fundos, mas dependendo das chuvas ou do calor, que derrete rapidamente a neve e geleiras, o nível pode subir e fica impossível pular por cima deles. Recomendo que faça a trilha com um calçado que possa molhar pois, se for retirá-lo toda vez, vai perder muito tempo.

Lago Jeinimeni
A única travessia de montanha com certa elevação durante esse trekking é o Portezuelo La Gloria, que oferece uma vista linda para o Lago Verde. Porém, se você quiser ter uma vista ainda melhor, vire à esquerda quando chegar no cume do Portezuelo, suba o morro com uma pequena escalaminhada e tenha uma das vistas mais incríveis de toda a Patagônia. A foto que fiz nesse mirante não está aqui, mas você pode vê-la nessa página: https://ricardoferes.com/trilhas-patagonia/

Lago Verde visto do Portezuelo La Gloria. A trilha segue por esse vale.
Depois dessa travessia de montanha, é preciso cruzar um rio estreito e fundo, que pode ter forte corrente, então tenha cuidado para não molhar todo seu equipamento. Dali em diante são poucos quilômetros até o Refugio Valle Hermoso, primeiro local de pernoite.

Valle Hermoso e o rio que deve ser cruzado várias vezes

Esse é o Refugio Valle Hermoso, que na verdade é apenas um barracão que facilita a vida de quem vai cozinhar

Interior do Refugio Valle Hermoso
No segundo dia, saí cedo e fui até o glaciar do Valle Hermoso, mas não achei que valeu o esforço, já que o lago não é muito bonito, como pode ver na foto abaixo. Depois, cruzei do Valle Hermoso para o Valle Chacabuco através de uma pequena travessia de montanha e segui até um bom ponto de camping junto a uma ruína. Por ser noite de lua cheia, eu queria estar perto do rio para poder fotografar sob a luz da lua e dei sorte de o céu não ter ficado encoberto. Porém, as fotos só podem ser vistas no livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia.

Geleira do Valle Hermoso

Área ótima para acampar por ser bem protegida do vento e estar próxima ao rio

Muitas vezes eu entrei em lagos e rios de degelo pra tomar um banho, mas nesse dia a coragem foi pouca; apenas passei uma água nas axilas e, depois, me molhei até a cintura. Para quem está trilhando sozinho, está bom demais!
Antes do sol nascer eu já estava arrumando os equipamentos e saí bem cedo para o sul, para encontrar o ponto onde eu havia parado na semana passada, quando comecei a trilha partindo do sul para o norte. O visual não mudou e, assim que completei esse caminho, voltei até o Valle Hermoso e, de lá, entrei no Valle de los Glaciares.

Cachoeira no Valle Hermoso
Havia uma trilha que seguia ao lado do rio, mas logo ela acabou e tive que voltar a caminhar pelo leito seco e, várias vezes, ter que cruzá-lo. Como eu não queria molhar as botas, levei um par de Havaianas e as usava nas travessias de rios ou mesmo para andar pelo leito seco, quando via que as travessias seriam constantes. Se você fizer o mesmo, cuide pra que ela não saia do pé, como aconteceu comigo, que tive que sair correndo atrás de um chinelo que estava sendo levado pela água. Ainda bem que não haviam testemunhas dessa cena ridícula!
Um pouco à frente, olho para o lado direito e me espanto ao ver dois huemules a uns 200 metros de mim. Não é que o guarda-parques estava falando sério? Me aproximei lentamente, andando um pouco para a frente e um pouco na direção deles, e sem olhar diretamente para os cervos para não demonstrar interesse e assustá-los. O que eu não esperava é que a fêmea estava tão curiosa sobre mim, quanto eu sobre eles, e se aproximou sem nenhum medo. Ela chegou tão perto que eu fiz movimentos com o braço para que ela parasse, já que eu não estava com vontade de enfrentar o macho e seu chifre, caso ele se irritasse com a proximidade. Aos poucos, vi que ele também estava tranquilo, então me sentei a uns 15 metros dos dois, ficando por 20 ou 30 minutos observando os huemules comendo e descansando.

Casal de huemules
Apesar de ser incrível poder ficar sentado junto aos cervos, eu ainda precisava fotografar a geleira e segui por mais alguns quilômetros até ela. Ao contrário do Valle Hermoso, essa geleira valeu a caminhada e, mesmo não sendo sempre citada por quem faz a Travesía Jeinimeni-Avilés, eu acho que não deve ser deixada de lado.

Essa é a primeira geleira do Valle de los Glaciares e é importante não confundir com a do Valle Hermoso, eu vi gente confundindo os vales e indo para a geleira errada
Fotos feitas, voltei já no fim do dia para o Refugio Valle Hermoso, onde dormi feliz por ter completado todas as fotos que precisava para esse capítulo do livro.
O quarto e último dia foi tranquilo, apenas com a volta até o carro. Com tempo feio, desisti de subir até o mirante do Lago Jeinimeni, que é muito frequentado por quem faz trilhas de um dia.
Ao chegar em Chile Chico, no local onde havia me hospedado antes da trilha, os quartos estavam todos ocupados, mas a proprietária me deixou ocupar um chalé inteiro cobrando só o preço do quarto da pousada. Foi ótimo pois tive bastante espaço na grande sala para limpar e arrumar os equipamentos usados na trilha, antes de um merecido descanso.
15 a 19/01/2020 - Parque Nacional Cerro Castillo (Chile)
O dia 15 de janeiro de 2020 amanheceu lindo em Chile Chico e resolvi voltar para o Parque Patagonia. As fotos estavam prontas, mas eu ainda queria fazer uma trilha lateral e resolvi aproveitar o sol.
Na metade do caminho já dava para ver que, no Parque, o tempo estava bem diferente, com nuvens encobrindo as montanhas e chuva, então voltei para o chalé e passei o dia editando fotos.
No dia seguinte, fui novamente para o Parque e, mais uma vez, voltei quando ainda estava na metade do caminho, decidindo que não tentaria uma terceira vez, era hora de seguir para a próxima travessia, no Parque Nacional Cerro Castillo.
De volta ao chalé, vi que a previsão para o dia 18 era boa, então fui direto até a Villa Cerro Castillo, base para quem vai para o parque nacional de mesmo nome.
Entre Chile Chico e a Villa Cerro Castillo ficam as Capillas de Mármol, formações de rocha incríveis no Lago General Carrera que eu sonho em fotografar há anos, mas mesmo assim, desisti de fazer isso pois não queria perder a janela de bom tempo que se iniciaria na tarde do dia 17 ou manhã do dia 18. Tenho certeza que voltarei para essa região e, daí, visitarei as Capillas de Mármol, que são acessíveis apenas por barcos.

Lago General Carrera no caminho para Cerro Castillo
Como eu não havia pesquisado hospedagens em Villa Cerro Castillo, perguntei no Centro de Informações por campings e pousadas e fui conferir. Me hospedei em um lugar que, logo de cara, já não gostei. Mas como havia um espaço seguro para deixar o carro, resolvi arriscar e a anotação que fiz no diário mostra que minha impressão estava correta: “Chuveiro ruim, cama pequena, quarto minúsculo e roupa de cama sem lavar, já que estava cheia de cabelos, então dormi no meu saco de dormir. Para piorar, de noite desligaram a internet e não consegui checar a previsão do tempo e o site do Parque Nacional”.
Esse foi o pior lugar em que dormi durante toda a viagem, mas valeu para ter o carro e bagagem em um lugar seguro. Na volta da trilha, com certeza não dormirei aqui.
O mais comum é fazer a travessia no sentido leste-oeste, pois assim, ao terminar a trilha, não é necessário pegar transporte até a vila, já que o trecho de estrada asfaltada é feito antes de iniciar a caminhada. Porém eu decidi fazer no sentido contrário porque, se a previsão estivesse certa, eu chegaria no ponto mais bonito da travessia com tempo bom.
Andei por 7 km em uma entediante estrada de terra, até entrar no Parque. Como resolvi de última hora qual seria meu roteiro, não tive tempo de achar um transporte e, mesmo assim, um veículo normal só me levaria em parte do caminho, já que os últimos quilômetros só se faz com 4×4.

Nas duas entradas do parque há fazendas com gado
A trilha até o acampamento Neozelandés é uma subida constante e, com o tempo fechado, não me preocupei em chegar logo porque as montanhas estavam escondidas pelas nuvens. Depois que montei a barraca, resolvi ir até a Laguna Duff, aproveitando que ao menos não estava mais chovendo.
À medida que eu subia, as nuvens começaram a se dissipar e a esperança foi aumentando, até que, quando cheguei na Laguna, havia sol e céu azul, foi perfeito!
Ao voltar para o acampamento, conversei um pouco com um português que estava iniciando uma longa viagem pela América do Sul, passei algumas dicas sobre a Patagônia e o Brasil e fui dormir cedo para partir com o nascer do sol.
Apesar de ser o auge do verão, as temperaturas de noite continuam sempre próximas de 0 grau. Essa noite fez dois graus positivos e passei um pouco de frio porque estou com saco de dormir que tem temperatura de conforto de 1 grau positivo, mas esse tal conforto deve ser para um russo.

Laguna Duff
Como eu já havia fotografado a Laguna Duff com boa luz, fui direto para a Laguna Cerro Castillo, o ponto mais importante da travessia. Terminar a forte subida do Cerro Negro e dar de cara com o Cerro Castillo e seu lago é incrível e uma surpresa que só tem quem faz a travessia ao contrário.

Cerro Castillo
Depois de curtir o visual, segui por um caminho lindo, passando por corredeiras e cachoeiras, até o acampamento El Bosque, onde deixei minhas coisas e fiz um bate-volta até a Laguna Témpanos. Apesar de muita gente não fazer essa trilha lateral, recomendo pois os icebergs (témpanos em espanhol) são bonitos e o caminho é curto, quase sem ascensão.

Laguna Témpanos
No terceiro dia, saí às 05:48 e às 11:00 já estava no acampamento seguinte, mesmo tendo feito a trilha lateral para a Laguna El Turbio, que não achei bonita e não recomendo. Como ainda estava muito cedo, resolvi juntar dois dias em um e cheguei na estrada às 16:10. O último trecho, assim como o início do primeiro dia, não é muito interessante, passando por algumas fazendas e poucas paisagens interessantes, mas a pior parte foi aguentar os enxames de mutucas, que no verão podem ser abundantes.

A travessia do Paso Peñón exige cuidado pois o calor diurno e o resfriamento noturno transformam a neve em gelo e é fácil escorregar

No verão há diversas flores junto aos rios e córregos
Quando se viaja em grupo é difícil de conseguir carona, mas sozinho e com a mochila cargueira, os motoristas se solidarizam e o terceiro carro que passou, já parou. Era uma família com 4 pessoas e, mesmo assim, acharam espaço para um trilheiro sujo e fedido. Oito quilômetros antes do meu destino, eles tinham que pegar outra estrada, então eu desci e fiquei perto do ponto de ônibus, assim poderia pegá-lo caso ninguém mais parasse para me ajudar.
Pouco depois apareceram duas mulheres na faixa dos 20 anos e pararam perto de mim, também pedindo carona. Aí, é claro que ninguém parava pois pensavam que estávamos juntos e ter 3 vagas em um carro é raro. Ainda bem que depois de uns 15 minutos elas perceberam o erro e foram um pouco mais para a frente, o que facilitaria não só a minha vida, por estar sozinho, como a delas também, já que tem gente que prefere dar carona para mulheres.
Pouco depois parou um carro bem velho, sendo dirigido por um senhor acima dos 60 anos e com um bafo de álcool que eu senti assim que ele perguntou “Para onde você vai?”. “Obrigado mas estou esperando um amigo”, respondi. Então ele seguiu um pouco, parou e deu carona para as duas mulheres… Corajosas elas!
Logo em seguida parou outro carro, dessa vez com um casal jovem e sóbrio. Ele estava dirigindo e eu fui no banco do passageiro, já que a esposa estava no banco de trás com o bebê e um cachorro. Casal bem simpático e curioso, tivemos uma rápida mas agradável conversa, até que me deixaram na Villa Cerro Castillo e eu peguei meu carro na péssima hospedagem que citei antes. Se os donos acharam que eu dormiria lá de novo, estavam muito enganados!
Decidi ir para Coyhaique, uma cidade mais ao norte, mas no caminho não há posto de combustível e eu não tinha o suficiente no tanque, então usei os galões extras que havia comprado em Ushuaia e, até então, estavam apenas passeando pela Patagônia, sem terem sido usados.
Em Coyhaique foi difícil achar pousada com preço bom e estacionamento. O camping que eu gostei estava cheio, então fui para outro que era meio barulhento, inclusive por causa dos cachorros da dona que latiam sem parar. Quando deu meia-noite, me cansei de tentar dormir e falei com ela, que finalmente fez os cachorros ficarem quietos.
20 a 23/01/2020 - Futaleufú (Chile) e El Bolsón (Argentina)
Dia 20 foi reservado para levar roupas para a lavanderia e editar fotos no computador, então fiquei no camping quase o dia todo.
Dia 21 fui para Futaleufú, fazendo diversas paradas para fotografar os belos rios e lagos no caminho.

Rio Cisnes

Lago Yelcho, outra bela vista entre Coyhaique e Futaleufú
Em Futaleufú eu me encontrei com alguns moradores para checar se há trilhas de longa distância e minha suspeita se confirmou, infelizmente não há. Então, segui direto para El Bolsón porque nos dois dias seguintes eu teria tempo bom e queria aproveitar para fotografar um circuito que parecia bem interessante.

Futaleufú

Futaleufú é famosa entre os praticantes de rafting mas, para trilheiros, não há tantas opções
Ao chegar em El Bolsón, fui direto para um hostel que eu pensei ter quarto individual mas me enganei. Como já era tarde e havia bastante espaço para deixar o carro enquanto eu estaria nas montanhas, resolvi ficar e dormir no quarto compartilhado, o que eu evito pois tenho o sono leve e sempre há alguém roncando.

El Bolsón fica cheia de turistas no verão, que se espalham suas praças, restaurantes, rios e refúgios de montanha
Ao acordar, fui direto para o Centro de Informações para descobrir como chegar e voltar da trilha. Na volta ao hostel, tomei café e parti para as montanhas.

A trilha começa junto ao lindíssimo Rio Azul
O Refugio Hielo Azul, local do primeiro pernoite, fica ao lado do rio de mesmo nome e, por ser alta temporada, estava lotado. Tinha gente fazendo churrasco, pegando sol, bebendo, fumando um baseado… Enfim, era um ponto de mochileiros, não de montanhistas.
Apesar do refugiero falar que não havia mais tempo para ir até o Glaciar Hielo Azul, havia tempo de sobra e eu subi por pouco mais de uma hora até a geleira para descobrir que não há mais geleira, apenas um nevado e o lago. Bonito, mas nada que empolgue.

Glaciar Hielo Azul, que na verdade não é um glaciar
Quando fui dormir, um cara que estava toando violão e cantando a tarde toda ainda não havia parado mas ele estava um pouco afastado das barracas e não incomodava, mas às 3 da madrugada o elemento resolve andar entre as barracas, tocando e cantando. Aí não tem protetor auricular que dê jeito… Que saudade dos acampamentos frequentados apenas por montanhistas!
No segundo dia de caminhada, andei apenas uma hora até o Refugio Natación, onde deixei a cargueira para subir leve o Cerro Hielo Azul. Deixar a cargueira foi certo, mas aprendi a nunca mais eixar o kit que tenho para prender a sola da bota, caso ela se solte. Isso porque faltando apenas 1 km para o cume, as duas solas começaram a se soltar e achei melhor voltar antes de ter que caminhar apenas com as meias, já que os cadarços não seriam suficientes pra prender as duas solas inteiras. Tudo bem, eu já tinha a vista quase em 360 graus, vi que é bonita mas pude perceber que o circuito de El Bolsón não tem o mesmo nível que os outros que já fiz e não iria para o livro.

Lago Natación e Cerro Hielo Azul

Lago Natación visto do Cerro Hielo Azul e, ao fundo, El Bolsón
Cheguei no Refugio com as duas solas quase totalmente soltas e então as prendi e voltei tranquilamente para o hostel em El Bolsón, onde passei mais uma noite mas na barraca, para ter mais privacidade e sossego.

Alguns zip ties e as botas estavam prontas para me levar de volta a El Bolsón. Não posso reclamar, depois de milhares se quilômetros, é natural que isso ocorra

No fim da trilha, encontrei banhistas e pescadores dividindo o Rio Azul
Os donos do hostel, junto com alguns hóspedes, estavam fazendo um churrasco de cordeiro e eu aproveitei para experimentar (estava ótimo!) enquanto conversava com um francês e uma argentina, até ir dormir lá pelas 23:00.
24/01 a 09/02/2020 - Bariloche (Argentina)
No dia 24/01 fui de El Bolsón para Bariloche e logo procurei um sapateiro para tentar consertar minhas botas. Felizmente ele disse ser possível arrumá-las, o que é ótimo porque essas botas servem bem demais em mim, posso andar por mais de 30 km por dia sem ter bolhas.
Dia 25 estava nublado, então aproveitei para trocar o óleo do carro e decidi começar a primeira travessia no Parque Nacional Nahuel Huapi no dia seguinte, mesmo com a previsão não estando muito boa.
Há vários anos eu li um relato da travessia Colonia Suiza-Pampa Linda e achei incrível. Hoje, 26/01/2020, finalmente, comecei a travessia, que até a Laguna Negra é feita quase toda através de um lindo bosque. O visual muda na última subida, a mais íngreme, que leva até o lago e que, em sua margem, fica o Refugio Italia.

Cachoeira entre Colonia Suiza e Laguna Negra
A Laguna Negra é lindíssima, mas como estava cedo, segui até a Laguna CAB, que não é tão bonita mas tem bem menos gente, já que não conta com refúgio. Como o lago estava muito cheio, tive que tirar as botas e andar pela água para acampar do outro lado, já que não queria começar o dia seguinte andando na água. Dei a volta no sentido horário e, horas depois, uma pessoa que resolveu circundar a laguna pelo sentido contrário, caiu em um buraco e ficou encharcada. Molhou tudo, menos o orgulho, já que fingiu não ter acontecido nada.
Aqui eu conheci dois argentinos, o Federico e o Matías, ambos bem simpáticos. Mais tarde chegou um grupo de 6 pessoas e foi difícil dormir com a conversa alta deles, tem gente que pensa que barracas são à prova de ruídos.

Cerro Tronador. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
O dia 27 amanheceu lindo e fui direto para a Laguna Cretón. Assim como após a Laguna Negra, agora a caminhada se dá acima da linha das árvores, o que deixa o visual sempre interessante. Já a Laguna Cretón, essa não é tão interessante e, como ainda havia tempo, segui para a Laguna Azul.
Antes de chegar na área de camping da Azul, tive uma das vistas mais bonitas de toda a viagem, a partir de um mirante que mostra o lago com um azul tão forte que, nas fotos, as pessoas sempre perguntam se a cor é real ou é Photoshop. Acreditem, é real e é inesquecível, esse lago é um dos três mais bonitos de toda a Patagônia, na minha opinião.

Mirante da Laguna Azul. A área de camping fica do outro lado, no bosque. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Dormi tranquilo, longe de outras barracas e, como essa noite fez calor (9 graus positivos, incrível!), acordei suado e tive que abrir o saco de dormir.
No dia 28 acordei às 05:30 mas, como o tempo estava feio, voltei a dormir. Levantei às 07:30 e saí em direção à Laguna Ilón, com tempo nublado. Bom que já havia feito as fotos da Laguna Azul pois hoje, com a falta de sol, ela não estava tão bonita.
Quando estava novamente no mirante da Laguna Azul, encontrei o Federico e o Matías e caminhamos juntos até a Ilón, que não é tão bonita quanto a Azul mas fica de frente pro Tronador e tem uma praia boa para nadar.
No fim do dia os argentinos me chamaram para ir até a Mirada del Doctor, que tem uma vista incrível para o Lago Frey, e quando voltamos eles me convidaram para comer sopa creme com macarrão. Primeiro eu recusei, pois eu não teria nada gostoso para contribuir, mas como eles não tinham pão, então até que não foi uma troca muito injusta.
Ao contrário da noite anterior, nessa as temperaturas negativas voltaram a ocorrer.

Anoitecer na Laguna Ilón com o Monte Tronador ao fundo. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Fotografei o amanhecer do dia 29 pegando a laguna com o Tronador ao fundo e saí logo em seguida em direção à Pampa Linda, o fim da travessia. Mas não para mim, pois emendei com a trilha para o Refugio Otto Meiling, uma subida bem longa até um refúgio e área de camping no Monte Tronador.
Após achar um bom lugar para a barraca, com vista pro cume, saí para fotografar e vi um esquiador subindo a geleira e descendo esquiando. Depois, vi essa pessoa na área de camping e fiquei impressionado ao perceber que era um senhor com mais ou menos 75 ou 80 anos, que saúde!

Refugio Otto Meiling no amanhecer
O amanhecer do dia 30 foi novamente lindo e, logo em seguida, fui para a base do Glaciar Castaño Overo fotografar as cachoeiras formadas pelo degelo, com 120 metros de altura. Depois, voltei para Pampa Linda e peguei a van para Bariloche.

Cachoeiras formadas pelo derretimento do Glaciar Castaño Overo. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Na van só havia o motorista, eu e mais um cliente, que me pergunta:
-Você viu o negócio lá na China?
-Não vi nada, estou há dias nas montanhas, sem comunicação.
-Estão fechando cidades inteiras por causa de um vírus, maior loucura.
-Ah, ok.
Nem dei bola para esse assunto e pensei “A China está longe da Patagônia e deve ser sensacionalismo da mídia de novo”. Quem dera fosse verdade o que eu pensei e não tivéssemos que passar por essa maldita pandemia!
Na cidade, peguei o ônibus mas a única forma de pagamento era com cartão, que eu não tinha. Um argentino viu que eu não tinha o cartão, pagou minha passagem e, muito gentilmente, não aceitou que eu lhe pagasse em dinheiro.
Do dia 31/01 ao dia 05/02 o tempo esteve fechado, então fiquei na cidade editando fotos, escrevendo, comendo empanadas, alfajores (fui em quatro lojas e comprei vários, para compará-los), levei roupas pra lavar, cortei cabelo, busquei as botas no sapateiro e ainda fui a um churrasco no hotel do Matías, um dos argentinos que conheci durante a travessia. Aliás, que churrasco sensacional!
Já o dia 06/02 foi quando para as montanhas, ansioso para completar as fotos de Bariloche. Agora, a trilha escolhida se chama Travesía 4 Refugios e é tão impressionante como a Colonia Suiza-Pampa Linda.
O primeiro dia é o mais tranquilo, indo desde o estacionamento do Cerro Catedral até o Refugio Frey, em frente à Laguna Toncek. Esse é o único refúgio/acampamento em que é necessário fazer reserva antecipada mas, como eu fui em dia de semana, os guarda-parques disseram que seria tranquilo. E seria mesmo, caso a refugiera não tivesse má vontade e dissesse que eu não poderia ficar. Em vez de ir embora, subi a Torre Frey para fazer umas fotos, voltei para o refúgio às 18:00, e vi que haviam muitas vagas, mas quando perguntei, a mal humorada disse que está “bastante cheio”. Nem dei bola e fui escolher um lugar pra minha barraca, quando outra refugiera veio me contar, escondido da sua chefe, que haviam vagas e que não teria problema em ficar lá. Melhor assim…
Como em todas as noites, acordei de madrugada para olhar o céu e, dessa vez, ele estava estrelado e com a lua iluminando o lago e as montanhas. Saí para fotografar e fiz a foto que, mais tarde, se tornaria a capa do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia. O amanhecer também foi sensacional, com o sol pintando de laranja as escarpadas montanhas do Cerro Catedral e dando ânimo para iniciar o segundo dia de caminhada, esse bem mais puxado que o primeiro.

Capa do livro fotografada na área de camping do Refugio Frey

Amanhecer no Refugio Frey. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
O segundo dia também é curto mas as subidas são bem íngremes, andando sempre sobre pedras que, muitas vezes, deslizam um pouco e te fazem perder terreno. O dia todo teve sol, céu azul e lindas vistas para as montanhas, finalizando com o visual incrível para a Laguna Jakob.

Laguna Jakob e o refúgio. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
O terceiro dia (08/02/2020) teve o único trecho realmente perigoso das trilhas de Bariloche, com uma pequena escalada pouco depois de sair da Laguna Jakob. Não é uma escalada complicada e, talvez, esteja mais para uma escalaminhada, mas fica em uma área muito exposta. Um escorregão e, se a pessoa não morrer, vai ficar seriamente ferida. Olhei bem, avaliei o caminho a seguir e errei a primeira tentativa, parando em um ponto em que não seria possível subir mais. Descer foi tenso, já que a mochila cargueira altera demais o centro de gravidade e as botas de trekking são péssimas para escalada, mas como eu estou aqui escrevendo, você já sabe que deu tudo certo. A segunda tentativa foi a boa, o caminho escolhido não apresentou muita dificuldade e logo eu estava novamente em segurança.
O dia foi todo com subidas e descidas íngremes, mas com uma cachoeira antes da subida final até a Laguna Negra, onde fica o Refugio Italia. Se você está reconhecendo esse nome, percebeu que já estive aqui. Isso porque a Laguna Negra faz parte da travessia Colonia Suiza-Pampa Linda, sendo possível conectar os dois trekkings. Como eu já havia fotografado a outra travessia, no dia seguinte eu segui pelo caminho normal da Travesía de los Refugios e fui para o Refugio Lopez. Por ele estar perto do fim do trekking, resolvi não dormir lá e ir direto para Bariloche, finalizando mais um dos destinos do livro.

Laguna Negra e Refugio Italia. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
10 a 20/02/2020 - Parque Nacional Villarrica (Chile)
Saí de Bariloche no dia 10 e, no caminho para o Parque Nacional Villarrica, fica o vulcão Lanín, o ponto culminante dessa região, com 3.776 m de altitude. Eu estava há tempos com vontade se subi-lo, mas com uma janela de bom tempo se aproximando, resolvi seguir para o Villarrica para finalizar o trabalho.

Na Patagônia, as paisagens são incríveis mesmo para quem não faz trilhas.
A travessia do Villarrica se estende de leste a oeste e, se eu a fizesse de ponta a ponta, terminaria muito longe do carro, então decidi caminhar por 2 ou 3 dias e voltar para buscar o carro, fazendo o mesmo do outro lado do Parque.
Na entrada leste, o único lugar que achei para deixar o carro e os equipamentos foi nas Cabañas Puesco, a uns 6 km do início da trilha. O chalé é simples mas agradável e fica ao lado de um belo rio, que infelizmente não pude aproveitar pois tinha que arrumar os equipamentos para iniciar a trilha na manhã seguinte.

Adoro me hospedar em um lugar com cachorros e gatos.
Após uma noite mal dormida, o Tito, filho do dono do chalé e guarda-parque no Villarrica, me levou até o parque, com meu próprio carro, e o deixou nas Cabanãs Puesco, assim eu pude ir para as montanhas sem me preocupar com os equipamentos que não estava usando.
A trilha começa por um bosque com árvores grandes e muitas flores, quase sempre subindo até chegar na Laguna Avutardas, onde encontrei uma meia dúzia de pessoas acordando. Fotografei a laguna e segui em frente, rumo à Laguna Azul, mas antes fiz boas fotos dos vulcões e da Laguna Blanca, já com algumas nuvens.

Campistas na beira da Laguna Avutardas.

Um dos muitos campos de lava da travessia do Villarrica. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Depois de um tempo que montei a barraca, chegou uma mulher sozinha e fui conversar com ela, uma francesa que vive no Canadá, chamada Fanny. Simpática, ficamos conversando por bastante tempo, até que subi o morro para fotografar o pôr do sol.

Pôr do sol na Laguna Azul e a barraca da francesa. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Acordei na madrugada do dia 12 para fotografar as estrelas, mas estava nublado, então voltei a dormir. Acordei de novo às 05:30 para fotografar o nascer do sol, mas estava chovendo e ficou assim até às 11:00, quando começaram a aparecer trechos de céu azul e eu fui para o mirante. Só que minha esperança durou pouco e voltei depois de apenas 1 km caminhado, já que o tempo fechou completamente.
Passei a tarde lendo e vendo filmes, até chegar o Alex, um americano de 21 anos bem simpático, daí ficamos conversando e, um tempo depois, chegou o Justin, outro americano, mas com 24 anos.
Lá pelas 18:00 chegou um casal de brasileiros com uma filha de um ano recém-completado, conversamos bastante e então descobri que eles acabaram de se mudar para Barequeçaba, uma praia a 3 km da minha casa, coincidência impressionante!
Conheci também um casal de chilenos e ele me falou de muitas trilhas, sendo um bom conhecedor da Patagônia. Hoje não teve caminhadas nem fotos, mas teve muita socialização.
Na madrugada do dia 13 fez 3 graus abaixo de zero e passei um pouco de frio. Fiz algumas fotos do vulcão Lanín com o nascer do sol, tomei café-da-manhã e segui em frente para fotografar o vulcão Villarrica com a Laguna Azul. Até ter a luz certa, fiquei lendo e torcendo para o tempo não fechar de vez.

Silhueta do vulcão Lanín ao amanhecer. Essa é uma das 150 fotos do livro As Mais Belas Trilhas da Patagônia, clique para conhecê-lo.
Segui mais um pouco em direção ao Villarrica e, então, decidi começar o caminho de volta para meu carro, deixando o trecho restante para fotografar partindo da outra entrada do Parque Nacional.

Laguna Azul e o vulcão Villarricao ao fundo.
Quando fui checar o caminho no GPS, vi que ele havia caído e voltei rapidamente para encontrá-lo, mas ele já estava com os brasileiros, que o acharam ao lado da trilha.
Quando cheguei na Laguna Avutardas, o chileno me falou de mais trilhas e, depois, fiquei conversando com o Justin, que é geólogo mas pensa em trabalhar com fotografia de natureza.

Minha barraca na Laguna Avutardas.
Como em toda madrugada, acordei para olhar o céu e, dessa vez, ele estava lindo, então fiz algumas fotos da laguna com as estrelas.

Estrelas e a Laguna Avutardas.
O nascer do sol não parecia especial, então decidi ficar só mais um pouco na barraca, mas acabei dormindo por duas horas! Tudo bem, hoje o dia é apenas de caminhada de volta para o carro e eu merecia um descanso extra.
Quando cheguei na estrada, comecei a caminhar na direção das Cabanãs mas, sem acostamento, vi que nenhum carro pararia para me dar carona, então andei para o lado oposto, até o estacionamento de um mirante. Lá, depois de uns 20 minutos, consegui carona com um simpático casal de chilenos e sua pequena filha.
Por volta das 17:30, o casal de brasileiros chegou e conversamos enquanto almoçavam. Depois fui para o chalé trabalhar no computador e dormi no meu horário habitual, às 22:00.
No dia 15 eu peguei a estrada até Pucón, que foi tranquila, mas na cidade fiquei preso em congestionamentos e, na cidade de Villarrica, onde reservei o Airbnb, foi ainda pior.
Por falar em Airbnb, esse quarto que aluguei é bem, bem pior que o anúncio. Ainda bem que só reservei duas noites, assim pude procurar outro lugar.
Passei o resto do dia usando o computador.
Passei a manhã toda procurando hospedagens e editando fotos, até que às 14:00 o Alejandro saiu e levou a internet, já que o “wifi” anunciado no Airbnb é apenas o celular dele roteado, então só tem internet quando ele está em casa e, mesmo assim, funciona muito mal.
Tarde enrolando no computador com filme, séries e buscas.
Tomei café às 7 e fui embora com o Alejandro ainda dormindo, mas antes fiz umas fotos e vídeos para provar os problemas, caso ele negue depois que eu fizer o comentário no Airbnb. Ufa, me livrei desse lugar e, felizmente, meu novo quarto foi em uma casa muito melhor e com outros simpáticos hóspedes.
Fui de manhã para Pucón e consegui autorização da Conaf para subir o Villarrica sozinho. Andei pela cidade e pela beira do lago, fiz compras e depois fui para o computador para planejar os próximos dias.

Lago Villarrica, na bela cidade de Pucón.

No Chile há muitos cachorros de rua, quase sempre muito bem cuidados.
Dia 18 eu voltei para o parque nacional, agora para fotografar o lado oeste da travessia, que é o último trecho que precisava fotografar para terminar o livro. Dividi esse trecho em duas partes pois há dois acessos de carro. Fiz belas fotos do Villarrica soltando fumaça, da floresta de araucárias, de uma geleira e, também, de um belo pica-pau.

Carpintero negro macho com aproximadamente 40 cm.
Apesar de não fazer parte da travessia, hoje eu tentei subir o Villarrica, aproveitando que consegui uma autorização para subir sem guia local. Mas o tempo piorou e o vento estava previsto para aumentar muito, então voltei para o carro antes mesmo de começar a subir e aproveitei a tarde livre para descansar e pegar sol, já que longe do vulcão, não haviam muitas nuvens.
Por falar em pegar sol, combinei com uma chilena, que é professora de yoga, de irmos até um lago que fica no sítio de um amigo dela. Ao chegarmos, o lago era só nosso e comecei a fotografá-lo. Então, ela fala:
-Você pode fazer fotos minhas nas poses da yoga?
-Sim, claro.
-Posso fazer sem roupa?
-Já que você insiste…

Lago El León

A professora de yoga e seu incrível controle corporal.

Agora estou de férias e mereço pegar sol e nadar.
Não sei se ela havia visto minhas fotos do Projeto Nude and Nature, mas sei que é incrível fotografar uma mulher com tanto controle corporal.
No caminho de volta, paramos para comer amoras em vários pontos, aproveitando que as amoreiras estavam carregadas.
No dia 20 de fevereiro, saí às 05:00 da manhã pela última vez para o Parque Nacional, para fazer as últimas fotos. Fui para a terceira entrada e comecei a caminhar no sentido oposto ao que fiz há dois dias. A trilha é bonita, mas um pouco monótona e, pela primeira vez, resolvi ouvir podcasts enquanto caminhava. Depois de 12 km (só de ida), cheguei no ponto onde havia estado há dois dias e voltei sorrindo para o carro, feliz demais por ter completado o trabalho, depois de 5 meses na estrada.

Araucárias no Parque Nacional Villarrica.
Editei as fotos, fiz back-up e fiquei pronto para deixar o trabalho pra trás, agora com tudo em segurança.
21 a 23/02/2020 - Valle Las Trancas (Chile)
Saí de Villarrica no meio da manhã do dia 21 e fui até Valle Las Trancas, uma pequena vila a apenas 7 km da estação de esqui Nevados de Chillán. Por ser verão, não há neve, mas vim mesmo assim pois tenho uma amiga que mora aqui e a região é muito bonita.

Valle Las Trancas
Quando ela saiu do trabalho, tomamos sorvete e fomos passear um pouco pelo vale, antes de jantarmos uma truta deliciosa. Como é bom comer 10 vezes ao dia e sem precisar carregar a comida nas costas!

Nicole em Valle Las Trancas
Depois de um café da manhã bem chileno (pan com palta = pão com abacate) saímos para uma curta trilha. Almoçamos salada e um pão delicioso e, de sobremesa, um cheesecake de mirtilo.
De tarde fomos para a casa de uma amiga dela para usar a piscina e fiquei brincando com um bernês muito fofo.

Cachorro…

e piscina, descanso merecido!
Jantamos novamente salada com pão de cebola e ervas e, de sobremesa, kuchen (bolo). Como pode ver, minha atividade principal agora é comer.

Depois do jantar, aproveitamos o céu sem nuvens para umas fotos.
No dia 23, fui com a Nicole e uma amiga fazer a trilha até a Laguna Huemul, uma caminhada de 10 km com boa elevação. O lago é bonito e foi ótimo dar um mergulho, mas é fato que, depois de tudo que vi nos meses anteriores, está difícil de me impressionar com lagos e montanhas.

Laguna El Huemul

Quando vi essa foto, me assustei,, acho que nunca estive tão magro e, nesse momento, eu já estava comendo muito há uns 10 dias, então já havia recuperado um pouco de peso.
24/02 a 01/03/2020 - Viña del Mar e Santiago
No dia 24, quando a Nicole foi trabalhar, eu saí em direção a Viña del Mar para visitar um amigo que conheci na minha primeira viagem para Torres del Paine, em 2011. Como sua esposa está trabalhando em Santiago, fui com o Alfonso e um amigo dele para jantar no restaurante italiano Fellini, onde comi um polvo sensacional, recomendo!

Focas em Viña del Mar
Passei o dia 25 trabalhando no computador, para ter os dias seguintes livres. Apenas no fim da tarde, fui até a piscina para pegar um pouco de sol e ler. Depois, fotografei um pôr-do-sol incrível e comemos hambúrgueres no apartamento mesmo.

Pôr do sol atrás de Valparaiso, visto de Viña del Mar.

Pôr do sol atrás de Valparaiso, visto de Viña del Mar.
No dia 26, em vez de ler e pegar sol na piscina, fui para a praia Reñaca, a mais famosa da região. Depois, fui na minha sorveteria preferida no Chile, chamada Emporio La Rosa, e recomendo que faça o mesmo quando for pro Chile.

Praia de Reñaca
De noite, jantamos sushi no Bar Hollywood, que além de ter comida boa, fica cheio de mulheres bonitas.
Passei a manhã do dia 27 caminhando por Valparaíso e almocei com o Alfonso e seu sócio. Comi um charquican muito bom, que é uma mistura de batata, carne, milho e umas coisas mais.
A manhã do dia 28 foi dedicada para procurar hospedagem pelo Couchsurfing em Mendoza e lavando roupas, mas de tarde tive uma tarefa bem mais importante: comprar alfajores! Fui no Sausalito, por indicação do Alfonso, e comprei quase todos os sabores. Vários são muito bons, mas o de marzipan é, sem dúvida, o melhor alfajor que já comi.
A Camila, esposa do Alfonso, chegou nessa tarde em Viña, então bebemos um pisco sour no apartamento e, depois, fomos ao excelente restaurante El Imperio Peruano.
O café da manhã do dia 29 foi ótimo, com panquecas de doce de leite feitas pelo Alfonso, mas o almoço, esse foi sensacional! Com certeza foi a melhor refeição de toda a viagem e, também, a mais cara. Como estávamos a caminho de Santiago para um aniversário, paramos na Vinícola Macerado, onde comi polvo (primeiro prato) e cordeiro (segundo prato), além da entrada e sobremesa, claro. Cada prato acompanhava um vinho ou espumante feito por eles mesmos, todos ótimos.

Vinícola Macerado

Almoço na Vinícola Macerado

Almoço na Vinícola Macerado

Almoço na Vinícola Macerado
De noite fomos para o aniversário, que tinha muita comida e bebida boa. O Felipe e a Carolina, que conheci em uma viagem anterior, também estavam na festa e, no começo, até que foi divertido, mas quando a música ficou alta e as pessoas foram dançar, me arrependi por ter ido, ainda não me habituei tanto assim aos ambientes barulhentos depois da temporada de tranquilidade e silêncio nas montanhas.
Na manhã de primeiro de março, andei por Santiago com o Alfonso e vi os estragos causados pelos protestos, é triste ver uma cidade tão bonita, com tantas pichações.

Algumas das muitas pichações feitas nos diversos protestos.

Santiago
De tarde, fui com Alfonso, Camila e um casal de amigos deles para um parque nas montanhas, onde fizemos um churrasco. Já de noite, eu e o Alfonso voltamos para Viña e a Camila ficou em Santiago para trabalhar por mais uma semana.
02 a 19/03/2020 - Mendoza, Santa Fé, Novo Hamburgo, Florianópolis e São Sebastião
Quando o Alfonso foi trabalhar, no dia 02 de março, me despedi dele e da Flopi (a cachorra deles) e, por fim, do Chile, pois cruzei os Andes de volta para casa. O caminho para Mendoza é lindíssimo, mas mesmo assim, parei poucas vezes para fotografar, fiquei curtindo o visual enquanto dirigia.

Estrada que cruza os Andes na direção de Mendoza

Aconcágua, a maior montanha das Américas

Represa Potrerillos
Em Mendoza, jantei em uma churrascaria rodízio que tinha sido bem recomendada, mas comparando com as brasileiras, deixou muito a desejar. Mendoza é uma cidade bonita, mas decidi seguir o caminho de casa no dia 03, vou conhecê-la direito em outra viagem. Porém, antes de partir, uma parada no mercado para me abastecer de alfajores e vinhos Malbec, que são típicos de Mendoza. Depois de umas 14 horas dirigindo, cheguei em Santa Fé e fui direto para o hotel.
No dia 04, passei 15 horas dirigindo, com paradas apenas para abastecer, comer, usar banheiro e nos postos policiais, sendo que eles foram sempre corretos, nada da tal lenda que os policias argentinos extorquem os motoristas brasileiros. Aliás, em nenhuma das viagens que fiz pela Argentina, tive problemas. Normalmente eles apenas perguntam de onde venho e para onde vou, ou pedem os documentos e conversam um pouco. Na primeira parada, o policial perguntou se o carro era econômico, se eu estava trabalhando, se dormia em hotel, se gosto da Argentina… Enfim, queria conversar. No começo da noite, cheguei em Novo Hamburgo, perto de Porto Alegre, onde mora minha irmã com seu marido, filho e cachorros.
Passei uma semana em Novo Hamburgo e o primeiro almoço foi carne, arroz, feijão, batata e salada, que delícia que é ter de novo uma comida caseira bem brasileira. Nos outros dias teve churrasco, japonês e mais um monte de comidas que eu estava sentindo falta.

Comida e mais comida, meu pensamento principal.
Mas não passei a semana apenas comendo, também brinquei bastante com meu sobrinho, com os cachorros, visitei amigos de São Paulo que agora moram em Porto Alegre, peguei sol na piscina e, de vez em quando, até mesmo trabalhei com o computador.
Na tarde do dia 13 de março, saí do Rio Grande do Sul e fui para Florianópolis, para visitar meus primos. Além de colocar o assunto em dia e contar da viagem, é claro que saímos para comer algumas vezes e, em um dos dias, fui com uma amiga para a bela Praia do Gravatá.

Praia do Gravatá

Tamiris no Gravatá
No dia 18, fui com a Lydia e o Nilo, seu namorado, até uma cachoeira para fazer um ensaio do Projeto Nude and Nature com a Lydia. O ensaio rendeu ótimas fotos, mas no fim da tarde, já na casa do meu primo, eu estava me sentindo muito cansado. Fui dormir cedo e, de madrugada, acordei empapado em suor. Foi nesse momento que pensei “estou com essa tal COVID-19!”.

Lydia

Lydia
Até então, as informações eram muito conflitantes, não havia lockdown e há poucos dias a OMS havia classificado a COVID como uma pandemia. Então, resolvi cancelar minha visita a Curitiba, esperei amanhecer e fui direto para São Sebastião, para me isolar em minha própria casa. É interessante comentar que eu passei mais de 5 meses me alimentando mal, dormindo pouco, fazendo exercícios extenuantes e, durante todo esse tempo, não tive nem mesmo um leve resfriado, ou seja, minha imunidade estava ótima… Até surgir a tal COVID, que antecipou meu retorno, estragou o fim da viagem mas, comparando com o que ocorreu com centenas de milhares de brasileiros, até que tive sorte.
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Torres del Paine, El Chaltén, Bariloche, Ushuaia, Villarrica, Cerro Castillo, Dientes de Navarino e Parque Patagonia