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Ascensão em solitário do Ojos del Salado (6.893 m)
Dados sobre o Ojos del Salado
O Ojos del Salado é o vulcão mais alto do mundo e ponto mais alto do Chile, com 6.893 metros sobre o nível do mar. É um vulcão ativo, mas não se anime porque você não encontrará em seu topo uma cratera com lava, ele é considerado ativo porque eventualmente emite fumarolas em seus arredores.
Localizado na fronteira do Chile com a Argentina, o Ojos tem dois picos lado a lado, com diferença de poucos centímetros entre eles. Como a aproximação em 4×4 pelo lado argentino é muito mais complicada e a caminhada também é mais longa, quase todo mundo sobe pelo lado chileno e foi isso que eu fiz.
Apesar da temperatura sempre baixíssima, o Ojos fica no sul do Deserto do Atacama, um dos locais mais secos do planeta, o que faz com que ele tenha pouca neve em comparação com picos bem mais baixos, mas em regiões não desérticas.
A temporada de escalada vai de dezembro a março, que é também a época do “inverno boliviano”, que muda rapidamente o clima e causa nevascas no norte do Chile e Argentina. Por exemplo, quando estive lá, no começo de janeiro, haviam alguns pontos isolados com neve, mas nada que exigisse uso de crampons. Uma semana depois caiu uma nevasca que alterou totalmente a paisagem, o acesso aos refúgios e, claro, o ataque ao cume.

Imagem do Google Earth com os principais pontos deste artigo.
Por que escalar o Ojos del Salado em vez do Aconcágua?
O Ojos é o segundo ponto mais alto das Américas e o Aconcágua, na Argentina, é o mais alto, com 6.961 m, então a pergunta óbvia é: por que subir o segundo mais alto? Essa resposta tem vários motivos e o primeiro é a quantidade de pessoas. É evidente que quase todo mundo prefere dizer que subiu o mais alto, o que leva de 6 a 7 mil pessoas a tentarem escalar o Aconcágua a cada temporada. Não achei uma fonte confiável sobre quantas pessoas tentam o Ojos del Salado a cada ano, mas no dia que eu subi, em pleno janeiro de 2025, além de mim haviam apenas 14 pessoas divididas em 5 grupos. Com tão pouca gente, tive a chance de ficar sozinho no cume, uma experiência que não teria no Aconcágua.
O segundo motivo pelo qual o Ojos me agrada é o custo: a permissão para subir o Aconcágua, para quem vai de modo independente, custa US$ 1.050,00! Se você contratar serviço de mula ou guia a permissão fica menos cara, custando US$ 660,00, só que você ainda vai pagar pelo serviço de guia e/ou mula e, por fim, é obrigatório contratar um seguro de resgate, que também custa umas centenas de dólares. Para o Ojos não há taxa, apenas é preciso pedir autorização na DIFROL por ser uma região de fronteira e esse pedido é feito pela Internet, aqui está o link.
Para quem vai subir o Aconcágua, o mais comum é fazer a aclimatação no próprio Aconcágua, seja subindo um pouco a cada dia, seja fazendo bate-volta para acampamentos mais altos. No Ojos, o normal é começar a aclimatação na Laguna Verde e subir os vulcões nas proximidades, o que eu acho bem mais divertido e, o mais importante de tudo, é um roteiro muito mais bonito. Como eu havia planejado ir de carro desde o Brasil, pude começar a aclimatação no Noroeste Argentino até fazer o teste final no vulcão San Francisco (6.018 m), na fronteira Argentina x Chile.
Até aqui apresentei três motivos pelos quais eu considero o Ojos mais interessante, mas a quarta diferença é indiscutível que está a favor do Aconcágua, a altitude. Se eu quisesse dizer que estive no ponto mais alto das Américas e que também é o ponto mais alto de todos os continentes, exceto a Ásia, teria que ir para o Aconcágua, mas o que eu queria era saber qual é a sensação do ar rarefeito a quase 7 mil metros de altitude, então os 68 metros a menos do Ojos não fariam diferença.
Aclimatação na puna da Argentina em vez de ao redor da Laguna Verde
O modo mais comum de se aclimatar é voar para Copiapó, no Chile, e de lá seguir com um 4×4 para a Laguna Verde, que fica a 4.350 m de altitude e está rodeada de vulcões com mais de 6 mil metros que os montanhistas usam para treino e aclimatação. Além de ser grátis para acampar e o visual ser lindo, há pequenas lagoas com águas termais para quem quiser um banho quente depois da caminhada.

Foto aérea da Laguna Verde.

Um dos acampamentos das agências que usam a laguna para aclimatação.

Água termal na beira da laguna.
Outra opção, para quem vai de carro desde o Brasil, é começar a aclimatação no altiplano argentino, e foi o que eu e minha amiga fizemos, rodando por algumas das paisagens mais bonitas da América do Sul e alcançando altitudes de até 5.200 m com o 4×4. Vimos formações lindíssimas, lagunas cheias de flamingos e charmosas vilas durante 10 dias, mas não vou descrever tudo aqui porque isso rendeu um artigo inteiro, vou apenas colocar três fotos e o link está aqui.

Cono de Arita no Salar de Arizaro, Argentina.

A Puente del Diablo fica a 4.065 metros de altitude, no Noroeste da Argentina, e é acessada por uma trilha de 2,5 horas, sendo boa opção para o início da aclimatação para o Ojos del Salado.

Volcancito de Troya, na província de Rioja, Argentina.
Clique aqui para abrir o artigo sobre o Noroeste Argentino.
Testando pernas e pulmões no Nevado San Francisco
Depois da aclimatação feita na puna argentina, chegou a hora de saber se estava pronto para subir o Ojos e o vulcão escolhido para o teste foi o Nevado San Francisco, com 6.018 metros de altitude.
Ao chegarmos na Laguna Verde (Chile), que pensamos em usar de base, vimos que tinha muita gente e o banheiro estava em estado deplorável, então resolvemos acampar na base do San Francisco e voltamos até a fronteira. Se tenho que acampar, prefiro camping selvagem do que estar rodeado de gente e barulho. Achamos um lugar protegido do vento e montamos nossas barracas, mas uma hora depois chegou um grupo de argentinos e eles acamparam perto de nós. Parece que não fomos os únicos a procurar sossego e, felizmente, eles também foram silenciosos durante a noite.

Acampamento na base do San Francisco, a 4.700 m de altitude.
Saímos ainda no escuro, mas não conseguimos chegar até o começo normal da trilha porque a estrada estava com um trecho muito ruim em uma subida, então estacionamos 1,5 km para baixo do que seria o início da caminhada. Enquanto pegávamos as mochilas, chegou o grupo de argentinos que acampou perto da gente. Eles estavam com uma Hilux, que é bem mais alta que o Jimny, e haviam tentado passar na noite anterior, mas também não conseguiram.

Em primeiro plano está a estrada onde deixei o carro e, ao fundo, a trilha para o cume.
No começo minha amiga me acompanhou, mas no meio da trilha, quando chegamos em uma subida íngreme, ela começou a ficar para trás. Claro que eu poderia tê-la esperado, mas eu estava me testando para subir o Ojos, então continuei.

Subindo o San Francisco com a Laguna Verde ao fundo.
Quando achei um local quase plano e com vista para o cume, deitei para dar uma descansada e acabei cochilando. Acordei pouco depois com os argentinos à vista e a Cris apareceu logo em seguida. Todos se sentaram, fizemos um lanche e os argentinos partiram alguns minutos antes de nós. Minha amiga caminhava bem lentamente, dava para ver que estava exausta, e pouco antes do cume ela desistiu, falando que me esperaria naquele lugar.
Não achei seguro deixá-la sozinha, conversamos um pouco e ela resolveu continuar. Fui um pouco mais rápido que ela, mas sempre de olho para saber se estava bem, e devo dizer que foi emocionante chegar no cume do meu primeiro seis mil. Fiz algumas fotos e, quando minha amiga chegou, seu rosto demonstrava quão cansada estava, então não ficamos muito tempo porque sabíamos que a volta seria longa.

No cume do Nevado San Francisco, 6.018 metros sobre o nível do mar.

Ojos del Salado visto desde o San Francisco.
Caminhamos montanha abaixo quase sem fazer paradas, já que para descer a falta de oxigênio não incomoda, mas o trecho de 1,5 km que não conseguimos fazer com o Jimny parecia interminável!
De volta ao conforto do carro, decidimos não seguir para a Laguna Verde ou Refugio Atacama, montamos acampamento novamente na base do San Francisco para termos uma noite tranquila, mas antes fomos até o refúgio que fica na fronteira para usar o wifi e checar a previsão do tempo.

Refúgio na fronteira Chile x Argentina, com wifi aberto.

Interior do refúgio, que pode ser usado livremente.
Clique para abrir o Wikiloc e baixar o tracklog do San Francisco.
A ascensão do Ojos del Salado
Acordamos com o nascer do sol, revigorados depois de uma boa noite de sono e logo partimos rumo ao Refugio Atacama (5.292 m), de onde caminharíamos até o Refugio Tejos (5.835 m) no dia seguinte.
Passamos mais uma vez pela Laguna Verde e, depois que saímos da estrada principal, o caminho ficou muito bonito, mas com trechos de areia bem fofa. Em um dos areais, o jipinho atolou, droga! Pelo Jimny não ser tão alto como uma picape tipo Hilux e também por estar com muito peso, ele prendeu o fundo na areia, então tiramos toda bagagem, exceto os galões extras de combustível. Com o carro mais leve, ele saiu do areal, daí recolocamos tudo e seguimos em frente, passando por mais alguns areais, mas não tão fundos.
Quando chegamos no Atacama, haviam algumas barracas, mas apenas dois argentinos no acampamento, que contaram que foram caminhando para o Tejos no dia anterior, levando parte dos equipamentos, e que hoje iriam novamente, mas para dormir e tentar o cume no dia seguinte.

Refugio Atacama e área de acampamento ao fundo.

Interior do Refugio Atacama.
Eles também disseram que o pior trecho da estrada até o Tejos era a subida logo em frente ao acampamento, então decidi tentar passar, o que economizaria essa caminhada e adiantaria em um dia o ataque ao cume, o que seria bom porque a previsão dizia que dois dias depois, de tarde, haveria mudança de tempo.
Para aliviar peso, deixamos muitas garrafas de água na barraca dos argentinos, mas levamos as mochilas deles, para que pudessem caminhar leves. Se não desse para o carro subir, eles pegariam de volta as mochilas, afinal, faríamos o mesmo caminho.
A subida tinha terra bem fofa, pedras e buracos fundos, e naquela altitude (5.361 m) o motor do Jimny, que já é fraco, estava ainda mais manco. Tentei passar, mas não deu. Pedi para a Cris descer para aliviar peso, mas falhei de novo. Como o esforço era todo do carro, por que não tentar pela terceira vez? Nada feito… Eu vi no olhar dos argentinos que eles não estavam acreditando que eu passaria, então disse “eu sou teimoso”, no que um deles respondeu “percebi”. Tirei todo o peso possível e, na quarta tentativa, o jipinho passou! Senti um pouco de alívio, mas não fiquei tranquilo de verdade porque não sabia se haveriam outros trechos difíceis.
Ao chegar no Tejos, conheci um austríaco que olhou bem o Jimny e perguntou “Como você chegou aqui com esse carro?”, e ouviu de resposta “Também não sei”.

Refugio Tejos, a 5.850 m de altitude.

Cume do Ojos del Salado visto desde o Refugio Tejos.
O refúgio tem um quarto com 6 camas e, no fim do dia, estávamos eu, minha amiga, os dois argentinos, um austríaco, dois suíços e o guia deles, um chileno. Se você contou, bem, eram oito pessoas, mas como chegamos cedo, poderíamos dormir no quarto. Porém, como eu tenho problemas para dormir junto de roncadores, optei por ficar na sala, o que se mostrou um grande erro porque a cada vez que alguém queria ir ao banheiro, ou seja, o lado de fora do refúgio, tinha que passar pela sala e a porta de ferro fazia um barulhão. Se fosse só uma ou outra vez, tudo bem, mas na altitude se bebe muita água e quem bebe muita água, faz muito xixi, então a maldita porta batia a todo momento.

Quarto coletivo do Refugio Tejos.
Quando o povo finalmente esvaziou de vez as bexigas, comecei a ter rinite por causa da poeira que havia na sala. Espirros, nariz coçando, olhos ardendo, mais espirros… Mas dormir, nada! Às três da madrugada ouvi uma picape passando, às quatro passou outra e, às cinco, cansei de ficar deitado e comecei a me preparar para sair, sendo que logo em seguida todos acordaram.
Abaixo dos olhos eu estava bem inchado por causa da rinite e minha amiga ainda sugeriu que eu ficasse descansando e fosse para o cume no dia seguinte, mas eu não queria passar mais uma noite ali e preferi ir mesmo sem ter dormido um minuto sequer.
Comecei a caminhar às 06:12, com 18 graus negativos, e logo senti a dificuldade, com a subida íngreme e chão de terra fofa e pedrinhas que me faziam deslizar de vez em quando. Meia hora depois, o guia chileno e os suíços me alcançaram e fomos caminhando juntos. É claro que não estávamos em uma corrida, mas eu sabia que eles andam rápido e, se eu estivesse no mesmo ritmo deles sem me cansar, é porque estava indo bem.

Amanhecendo na subida do Ojos del Salado. No meio da foto se vê o Refugio Tejos e, na parte de baixo, o guia chileno com os clientes suíços.
Abaixo de mim eu via os dois argentinos e, abaixo deles, o austríaco, que logo os passou, o que não é de estranhar, já que é muito mais jovem e havia completado o Ironman do Havaí uns meses antes, então estava com ótimo condicionamento.

Em primeiro plano estão o chileno com seus dois clientes e acima deles os dois grupos que saíram às 03:00 e às 0400.
Eu estava usando um par de luvas finas e, sobre elas, grossas luvas de esqui que me abrigavam muito bem, mas quando tirei as luvas grossas para comer e fotografar, fiquei com muito frio nos dedos. Recoloquei as luvas, é claro, mas a dor na ponta dos dedos não passou, então parei para aquecê-los porque estava ficando preocupado. De acordo com a marcação do GPS, precisei de 23 minutos até estar com os dedos mais ou menos quentes de novo e voltar a caminhar, mas ainda bem que fiz isso, porque mesmo reaquecendo-os, fiquei com as pontas dos dedos dormentes por 11 dias!
Como não podia tirar as luvas, não consegui comer, mas, mesmo assim, nós quatro (eu, o guia e os dois suíços) alcançamos o grupo que havia saído às 04:00. Isso me deixou bem confiante, até que minha barriga começou a se remexer e pensei “Porra, agora não, aqui não!”. Mas não era uma escolha minha, então fiquei parado para deixar que as pessoas se afastassem, já que não havia nenhum lugar escondido da vista de todos para “usar o banheiro”. Perdi 40 minutos com isso, mas ao menos foi um alarme falso e voltei a caminhar, agora atrás de todos, exceto os dois argentinos.
Por causa da falta de comida, fui ficando cada vez mais fraco e passei a andar muito, muito lentamente. Esse foi meu segundo erro, eu deveria ter colocado maltodextrina (carboidrato de absorção lenta) na garrafa térmica, como sempre faço nos pedais longos, mas como eu tinha bastante comida, não pensei seria necessário.

Nevado próximo ao cume.

Aproximação final.
Enfim, fui me arrastando para o alto e, quando cheguei no trecho da escalada, havia um grupo de quatro pessoas que não pareciam saber muito bem o que estavam fazendo. Aquele trecho tem entre 10 e 15 metros de ascensão e eu fiquei 51 minutos esperando que as quatro pessoas se equipassem e subissem. Se eu soubesse que demorariam tanto, teria pedido para passar na frente, porque eu levei menos de dois minutos para subir, mesmo porque eu considero aquilo mais como uma escalaminhada do que escalada.

Trecho dito como escalada, que eu considero uma escalaminhada.
Já no cume, fiz umas boas fotos para eles e um deles fez umas fotos péssimas de mim (cadê minhas pernas nas fotos?). Logo eles desceram e eu fiquei sozinho fazendo mais algumas fotos e curtindo o visual, mas não demorei muito porque fazia frio demais para ficar parado naquele vento. De acordo com o site Mountain Weather Forecast, que dá a previsão do tempo para diversas montanhas mundo afora, naquele dia a sensação térmica era de 29 graus abaixo de zero.

Livro de cume.

No cume do Ojos del Salado, a 6.893 m de altitude.

Vista a partir do cume.
A descida foi tranquila, mas com todos os atrasos por causa do reaquecimento dos dedos, da vontade de ir ao banheiro e da espera no trecho de escalada, cheguei muito depois do que imaginei, às 17:15. Encontrei minha amiga e fomos com o carro para o Refugio Atacama, onde dormimos no pequeno refúgio, que estava vazio.
Clique para abrir o Wikiloc e baixar o tracklog do Ojos del Salado.
Fui dormir bastante cansado, mas feliz por ter realizado esse desejo que estava na minha cabeça há anos, e ansioso para ir para o litoral do Deserto do Atacama sentir calor e passar alguns dias de camiseta e bermuda, em frente ao Oceano Pacífico.

Merecido descanso nas praias do Parque Nacional Pan de Azúcar.
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